Ponto do Papa

A revolução da ternura

Tempo de leitura: 4 minutos

PEP #2 – Ponto de espiritualidade do Pontífice

“A ternura é algo maior do que a lógica do mundo.” (Catequese sobre São José)

A palavra <ternura> é utilizada com frequência pelo Papa Francisco. Em um discurso em 2018 ele definiu de onde parte a sua concepção do termo: “ternura é um bom “existencial concreto” para traduzir para os nossos tempos o afeto que o Senhor sente por nós.” 1

Na sequência do discurso referido acima, Francisco explica que “A ternura revela-nos, ao lado do rosto paterno, o materno, o materno de Deus, de um Deus apaixonado pelo homem, que nos ama com um amor infinitamente maior do que o de uma mãe pelo próprio filho (cf. Is 49, 15). Independentemente do que acontece, do que fazemos, temos a certeza que Deus está próximo, compassivo, pronto para se comover por nós. Ternura é uma palavra benéfica, é o antídoto ao medo em relação a Deus, porque «no amor não há temor» (1 Jo 4, 18), porque a confiança vence o medo. Portanto, sentir-nos amados significa aprender a confiar em Deus, a dizer-lhe, como Ele quer: “Jesus, confio em ti” (…) Quando o homem se sente deveras amado, sente-se estimulado a amar. Por outro lado, se Deus é ternura infinita, também o homem, criado à sua imagem, é capaz de ternura. Então a ternura, longe de ser apenas sentimentalismo, é o primeiro passo para superar o fechamento em si mesmo, para sair do egocentrismo que deturpa a liberdade humana. A ternura de Deus leva-nos a compreender que o amor é o sentido da vida. Compreendemos assim que a raiz da nossa liberdade nunca é autorreferencial. E sentimo-nos chamados a verter no mundo o amor recebido do Senhor, a decliná-lo na Igreja, na família, na sociedade, a conjugá-lo no servir e no doar-nos. Tudo isto não por dever, mas por amor, por amor daquele pelo qual somos ternamente amados..” 2

Entendendo essa palavra no sentido que Rocchetta lhe dá, “ternura é a força mais humilde; mas é aquela que tem maior poder para mudar o mundo.” 3 Em uma de suas encíclicas o pontífice indica que “Na sua encarnação, o Filho de Deus convidou-nos à revolução da ternura.” 4 Amparo Palacios considera este novo paradigma de reflexão e prática eclesial a partir de três dimensões: uma nova visão da humanidade e do mundo, uma nova visão-missão da Igreja e uma visão e prática de uma nova espiritualidade crente.5 Nos recorda Rochetta que “A caridade é o fundamento da ternura, e isto evita que a caridade se reduza a uma moral de dever ou de mínimo necessário, e oferece-lhe, por assim dizer, o coração, um coração pulsante, acolhedor, que sabe dar e partilhar, capaz de compaixão, de benevolência afável e amizade livre. 6

Ao largo destes anos de pontificado não é difícil constatar que a ternura é muito mais do que uma simples palavra utilizada com frequência, ela é um traço característico da personalidade e estilo pastoral de Francisco. Em um mundo notadamente marcado pela violência, falta de respeito, injustiças, individualismo, desesperança e polarização, os gestos pastorais do pontífice tornam-se o testemunho concreto de diálogo, abraço e mão estendida.

Ser terno, contudo, não é uma marca de um progressismo. Em inúmeras situações a ternura de Francisco concretizou-se exatamente através de sua firmeza – também característica. Afinal, ternura e verdade andam de braços dados. É impossível ser terno, misericordioso e compassivo sem a consistência da verdade. Contudo, ser fiel à verdade também não significa evangelizar de um modo arrogante, fechado e punitivo. O que o estilo pastoral de Francisco tenta evidenciar é a importância em dialogar, acolher, envolver, aproximar, contagiar, transformando a fé e evangelização em verdadeira experiência em contraste com aquela fria vivência burocrática da religião que muitos acedem. O convite à revolução da ternura é uma proposta de transformação cultural, de renovação de estilo pastoral e da vivência espiritual íntima.

Em uma em uma audiência geral sobre São José, o Papa nos recorda que “Faz-nos bem, então, espelharmo-nos na paternidade de José que é um espelho da paternidade de Deus, e perguntarmo-nos se permitimos que o Senhor nos ame com a sua ternura, transformando cada um de nós em homens e mulheres capazes de amar desta forma. Sem esta “revolução da ternura” – é necessária uma revolução da ternura!  – corremos o risco de permanecer presos numa justiça que não nos permite erguer-nos facilmente e que confunde redenção com castigo.” 7

O primeiro passo nos indica o Papa: “podemos perguntar-nos se experimentámos esta ternura, e se, por nossa vez, nos tornámos suas testemunhas. Pois a ternura não é sobretudo uma questão emocional ou sentimental: é a experiência de nos sentirmos amados e acolhidos precisamente na nossa pobreza e miséria, e, por conseguinte, transformados pelo amor de Deus.

Ele prossegue: O Senhor não nos tira todas as fragilidades, mas ajuda-nos a caminhar com as fragilidades, pegando-nos pela mão. Pega pela mão as nossas fragilidades e põe-se perto de nós. Isto é ternura. A experiência da ternura consiste em ver o poder de Deus passar precisamente por aquilo que nos torna mais frágeis; mas sob condição de nos convertermos do olhar do Maligno que nos faz «olhar para a nossa fragilidade com um juízo negativo, ao passo que o Espírito trá-la à luz com ternura» (Patris corde, 2). «A ternura é a melhor forma para tocar o que há de frágil em nós» (ibid.). Observai como as enfermeiras, os enfermeiros, tocam as feridas dos doentes: com ternura, para não os ferir mais. E assim o Senhor toca as nossas feridas, com a mesma ternura. «Por isso, é importante encontrar a Misericórdia de Deus, especialmente no sacramento da Reconciliação», na oração pessoal com Deus, «fazendo uma experiência de verdade e ternura. 

Referências

  1. https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2018/september/documents/papa-francesco_20180913_convegno-tenerezza.html
  2. Ibidem
  3. Rocchetta, C. (2001). Teología de la ternura: un evangelio por descubrir.
  4. https://www.vatican.va/content/francesco/pt/apost_exhortations/documents/papa-francesco_esortazione-ap_20131124_evangelii-gaudium.html
  5. https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=7282410
  6. Rocchetta, C. (2001). Teología de la ternura: un evangelio por descubrir.
  7. https://www.vatican.va/content/francesco/pt/audiences/2022/documents/20220119-udienza-generale.html

Terapeuta e Escritora

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