Reflexões

Leio, logo existo

Tempo de leitura: 5 minutos

Costumeiramente alguém me pergunta: “Como você consegue ler tanto?”. Resolvi escrever este texto para contar sobre a minha relação com a leitura. Não tenho muitas dicas para dar, mas talvez alguma coisa por aqui te desperte insights para sua própria vida.

A minha relação com os livros não é de hoje. Eu leio desde muito nova. Meus presentes de aniversário eram livros. Meus pais liam. Meu irmão lê muito até hoje. Minha fichinha da biblioteca precisava ser substituída com frequência. Eu vivia constantemente atracada com algum livro. Às vezes passava dias inteiros apenas lendo. Mas nunca vivi apenas para os livros. Eles entravam na minha vida de forma apaixonada e orgânica. Dividiam espaço com os amigos, a família, os estudos, os esportes, as pastorais, entre outros. Com isso quero dizer que a leitura não era uma fuga ou um esconderijo. Ler não se sobrepõe à minha vida e sim faz parte dela.

No meu caso ler muito não é tanto um mérito ou uma virtude, pois faço isso naturalmente e com muito gosto. Em todas as fases da minha vida eu li bastante. Ler é minha forma principal de aprender. E escrever, de me expressar. Sou muito curiosa e se tenho um problema procuro diversos livros para me aprofundar na questão. Dificilmente assisto um vídeo ou ouço um podcast. Eu procuro os textos. Leio rápido, absorvo muito facilmente o que leio.

A minha tendência talvez seja justamente ler demais, não de menos. Sempre que eu tenho um tempo livre, a primeira coisa que eu penso é “vou ler”. Eu não leio por obrigação, não leio por achar que ler é algo nobre e mais elevado, não leio para parecer culta… eu leio especialmente porque sou apaixonada por ler. Ler faz parte de mim. Obviamente leio também porque recolho inúmeros benefícios. Porém, acho que se eu não tivesse essa motivação interior eu leria muito menos, porque ler exigiria um esforço.

Ler é tão natural que o faço várias vezes por dia para os meus filhos. E eles naturalmente pegam livros para ler para passar o tempo. Pedem para lermos livros. Pedem livros novos. O mais velho lê para os mais novos. Levam livros para ler no carro durante as viagens. Meu esposo e eu lemos antes de dormir. Conversamos no dia a dia sobre nossas leituras. É algo que faz parte da atmosfera do meu lar. Somos um lar de leitores. É nosso estilo de vida.

Hoje eu leio diariamente. Não a mesma quantidade ou o mesmo tipo de leitura. Tenho uma certa organização ou proposta de leitura diária, mas minha relação com os livros costuma ser bem livre e orgânica. Há dias em que leio muito, em outros que não leio quase nada. Abandono livros que não gosto ou que fico empacada. Às vezes volto para eles, dou uma segunda chance. Em outras desisto. Gosto de fazer releituras. Leio livros que tenho interesse e outros por necessidade. Procuro várias resenhas, leio trechos, percebo se estou no momento (ou na “vibe”) daquela leitura. Leio sem preconceitos, experimento novos estilos e autores.

Isso é um caminho de autoconhecimento, eu acredito. Saber e construir seu gosto literário. Não ler apenas porque outros indicam ou dizem “você TEM que ler esse e aquele”. Ter liberdade de escolha. Experimentar novos estilos e autores. Dar tempo para se acostumar com novas propostas. Perceber os momentos para cada livro. Descobrir seu próprio ritmo. Compreender qual lugar a leitura ocupa no dia a dia e no seu contexto de vida.

Atualmente eu divido minhas leituras em três tipos. As leituras de descanso são os livros de literatura. Leio antes de dormir, em dias ou momentos que estou muito cansada ou em passeios. É um tipo de leitura que me faz mesmo descansar, diferente de uma leitura de estudo. As leituras profissionais são os livros ou artigos que fazem parte do meu trabalho. Leio no tempo dedicado ao estudo. E por fim tenho as leituras espirituais, que geralmente são a liturgia diária, os escritos do Papa e algum livro religioso.

Não tenho um tempo pré-estabelecido de leitura por dia. Mas tenho momentos, especialmente antes de dormir. Como meus filhos dormem às 19h e eu durmo às 22h, este é um tempo em que leio diariamente, variando a quantidade. Há dias em que leio uma hora, outros em que leio 20 minutos. As leituras profissionais por serem densas são feitas em momentos específicos para estudo que compõem as horas dedicadas ao meu trabalho. E a leitura espiritual eu faço nas brechas do dia ou no fim do dia, quando encontro um tempo oportuno (costumo fazer em 15 minutos). Também participo de um clube de leitura com alguns amigos, onde nos encontramos uma vez por mês para conversar sobre uma leitura conjunta.

Outros momentos em que costumo ler são tempos curtos em que meus filhos estão brincando (eu não tenho ajuda extra em casa, somos apenas eu e meu marido cuidando dos afazeres domésticos), quando estou esperando em algum consultório, em cafeterias ou em passeios longos que fazemos em lugares de silêncio e natureza. Eu tenho um capacidade de concentração absurda, consigo ler mesmo com barulho e confusão em volta de mim. Volto facilmente ao ponto em que parei, tenho pouco problema com distrações. Tenho preferência pelos livros físicos, mas o Kindle me ajuda a ler em outros ambientes pela praticidade em levar na bolsa. Meu celular fica guardado, prefiro pegar um livro para passar o tempo do que ficar nas redes sociais.

Percebo nitidamente que nos dias em que passo mais tempo usando tecnologia, tenho mais preguiça e menos concentração na leitura. Acredito que esta é uma razão significativa para a dificuldade geral de leitura das pessoas. Ler exige um esforço de concentração, atenção e até de monotonia. Com tantos estímulos nas redes sociais, vídeos cada vez mais curtos, cérebros hiper estimulados e menos propensos ao esforço intelectual, fica realmente mais difícil abraçar a leitura. É preciso fazer um movimento anterior para chegar até aqui: o de desacelerar e recuperar o existir analógico.

Talvez você não consiga desenvolver o hábito de ler por excesso de tecnologia, por falta de planejamento ou pouco conhecimento de si mesmo. Em questão de tecnologia, eu digo que é preciso diminuir o uso para reeducar a atenção. Sobre planejamento, que é preciso ser realista. É melhor ler 5 minutinhos todos os dias do que uma hora em um único dia de mês. Não ter metas tão numéricas como “ler 2 livros em um mês”, mas escolher um livro por vez e por gosto/interesse costuma ajudar. Descobrir os melhores lugares e momentos do dia para ler. Encontrar uma rotina de leitura não acontece por mágica, por cópia ou por acaso. Acontece na concretude do pensar e colocar em prática, o que envolve uma série de testes e ajustes ao longo do tempo.

Acredito que para gostar de ler o que mais ajuda é começar lendo coisas interessantes (gosto pessoal) em momentos agradáveis (disposição). Fazer disso menos um esforço e mais um hobbie. Alinhar a constância e a força de vontade com uma dose de prazer. Talvez fazer da leitura um ritual simbólico e convidativo. Depois fica mais fácil ler o que não é tão apetecível ou que é mais exigente intelectualmente. Enquanto a leitura for apenas um esforço e uma obrigação de ler livros chatos me parece difícil que ela se torne um hábito.

Por fim, acredito que o mais importante é conhecer a si mesmo. Não se comparar nem buscar ler para imitar os outros. Por que busco ler? Quais são meus objetivos? Como a leitura se encaixa no meu dia a dia? Do que gosto? Qual é o meu contexto e possibilidades? Quais são as minhas dificuldades e quais ferramentas preciso para vencê-las? Qual a minha capacidade de leitura? O quanto gosto de ler? Quais tipos de leitura fazem sentido na minha vida? Quais desculpas uso para não dar prioridade a leitura?

É assim que eu me relaciono com os livros. Ler, para mim, é algo muito natural, livre e prazeroso. Se você me perguntar porquê gosto tanto de ler, a verdade é que nem sei dizer. Talvez eu tenha nascido assim. Acho completamente normal as pessoas terem um estilo composto por níveis e gostos diferentes para leitura. A questão é você encontrar o seu. Espero que este post te inspire em algo!

Terapeuta e Escritora

Um comentário

  • Gabriela Miranda

    Rayhanne, eu também sempre gostei muito de ler. Quando passeava com os meus pais e íamos ao shopping, eu sempre pedia para a minha mãe me deixar na livraria enquanto ela fazia as compras. Tenho boas lembranças lendo livros junto com a minha irmã, dando risada das histórias e contando-as para a minha mãe.

    Quando decidi fazer Letras na faculdade fiquei extasiada vendo a grade curricular, porque eu realmente não sabia que seria possível dedicar uma vida de estudos somente para os livros. Minha mãe até falava brincando que achava engraçado uma graduação que fosse sobre histórias. Ao longo do curso, se infiltrou dentro do meu coração uma visão um pouco mais rígida sobre a leitura, mas assim que percebi que ela estava tomando conta de tudo, fui tentando abandonar essas ideias falsas.

    Gostei muito do que você disse sobre como a leitura também pode ser uma ferramenta para o autoconhecimento. Consigo ver em algumas experiências que tive como alguns livros me ajudaram a lidar com situações difíceis da vida pessoal ou revelaram a minha sensibilidade para alguns assuntos.

    Gosto muito desse artigo! Eu adoro ler o seu blog. Seus textos são muito sinceros e simples.

    https://petalasdemaioblog.wordpress.com/

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