Faz bem abrir as janelas
Eu tenho dificuldade em lidar com o novo. A novidade chega e eu a rejeito com meu pessimismo. Com meus argumentos pouquíssimo lógicos. Faço resistência, endureço.
Muitas pessoas ficam excitadas e animadas com as mudanças. Eu, pelo contrário, me entristeço. Desanimo. Retardo até onde posso. O novo me assombra. Eu desconfio até da novidade escancaradamente boa e feliz.
Parece que há em mim uma espécie de busca por uma estabilidade imutável, mesmo quando há algo de bom chegando. É isso que me faz pensar automaticamente “não” ainda que as propostas sejam notoriamente positivas.
Às vezes estabeleço uma porção de diálogos internos. Eles funcionam como uma espécie de tentativa de convencer a mim mesma, por qualquer motivo, a permanecer no conforto do conhecido. Como se nesse conforto residisse qualquer segurança absoluta; qualquer certeza indubitável sobre o que quer que seja.
Pensando bem, as mudanças são promessas. Às vezes positivas, noutras podem parecer como o mito da caixa de Pandora. De dentro da caixa – ou do espaço vacante da novidade, como preferir – podem sair todos os males. Contudo, também é da mesma caixa que sai a esperança. Talvez isso nos ensine alguma coisa sobre como todas as situações têm seu lado bom e ruim.
As mudanças me parecem totalmente desejáveis – na teoria. Na minha imaginação elas tem toda a cor e o sabor daquela liberdade e alegria do recomeço. Na prática, elas me paralisam. Eu não as desejo.
Eu até tento me enganar, especialmente naqueles casos em que me proponho a fazer algo novo com a expectativa de que as velhas portas desemboquem em novos caminhos.
É nessa expectativa que programo viagens. Meu marido – ele me conhece bem – pergunta: “você tem certeza?”. Minto pra mim mesma, “claro, dessa vez vai ser diferente.” É que a nossa imaginação tem a capacidade de deixar tudo mais dourado e promissor.
No fim das contas, permaneço aquele velho hobbit reclamando de todas as dificuldades que estão para além da ponte do Condado. Sonhando com meu café – ou chá; querendo a minha poltrona há anos colocada no mesmo lugar defronte à janela; de onde posso ver as flores cor de rosa que vibram suavemente ao sopro do vento.
Eu gosto mesmo do conhecido. Dos restaurantes em que já decorei o cardápio e dos quais conheço os garçons pelo nome. Das farmácias e supermercados em que sei até a ordem das prateleiras. Dos mesmos lugares, das mesmas pessoas, de tudo aquilo que já faz parte dos meus esquemas.
Mas a vida, ela não cabe nos meus arranjos. A pequena parte controlável dela – e, meu bom Deus, como eu gostaria que essa parte fosse maior – mal cabe nos meus cronogramas.
Na verdade, há algo de novo que eu gosto bastante. A mudança ou a novidade que eu mesma proponho. Aquela minuciosamente planejada. Que, inclusive, nunca sai totalmente como o proposto.
Porque a vida, ela se insinua. É uma cotidiana novidade. Ela é a força invisível e providencial que tantas vezes me move a abandonar os meus esquemas. Ela é o impulso que me faz transbordar. Ela é a coragem que me faz abrir as asas.
A mudança, a novidade, o novo, como me custam. Mas já aprendi que, se supero o momento inicial de resistência – popularmente conhecida como pirraça, o novo se acomoda. Toma seu devido lugar, ao seu próprio tempo. E aquilo que incomodava torna-se, então, novamente conhecido.
Não ter controle sobre a vida, que estranho benefício. Se controlássemos todas as coisas, se vivêssemos encaixotados em um único círculo, seria um tolhimento da nossa liberdade; um definhar da nossa humanidade.
No fim das contas, acho que estou convencida, faz bem abrir as janelas da casa, da vida, da alma. Nunca se sabe qual passarinho poderá pousar nela; ou o que se verá lá fora; ou se nos daremos conta de que, no fundo, talvez estivéssemos apenas vivendo no escuro.
Terapeuta e Escritora