Psicologia

Vida lenta

Tempo de leitura: 6 minutos

Está todo mundo apressado, você já percebeu? Um eterno não tenho tempo para nada. Aquele sentimento de exaustão coletiva. Dorme cansado, acorda exausto. O dia amanhece e já nos atropela. 24h são insuficientes para cumprir todas as tarefas. Um final de semana é insuficiente para descansar. Um coquetel de remédios para o corpo e para a mente. Uso excessivo de tecnologia. Estilo de vida automático, acelerado, desconectado e desatento. Muitas vezes compulsivo, cheio de imediatismos e prazeres fugazes. Falta sentido, sobra consumismo.

Tudo é feito depressa, como uma corrida que não chega a lugar algum. Falta ânimo e a impressão é a de que estamos sempre atrasados. A culpa engole os momentos de pausa, os hobbies, o tempo com os amigos, o descanso. Tudo precisa ser produtivo, útil, rentável. Nos sentimos sempre insuficientes, insatisfeitos e culpados. Pressionados.

‘Não tenho paciência’: 43% da população brasileira vive em ritmo muito acelerado. Segundo a pesquisa do Instituto Datafolha, nove em cada dez pessoas não se sentem calmas no dia a dia. A população está cada vez mais vivendo a vida na ‘velocidade 2x’. Fisiologicamente falando, vivemos em estado de estresse. Quando estressado, o corpo funciona no modo “lutar ou fugir”, liberando uma mistura complexa de hormônios como adrenalina e cortisol, preparando o corpo para a ação física.  

É indiscutível que estamos sendo engolidos por um ritmo de vida frenético e a necessidade de sermos eficientes e produtivos está nos adoecendo. Por isso, te convido a viver uma vida lenta.

O que é o movimento vida lenta?

O movimento nasceu na Itália e hoje é amplamente conhecido através do termo ‘Slow living’ que vem do inglês (em livre tradução significa “vida lenta” ou “viver lentamente”). Carl Honoré, um dos principais propagadores deste estilo ou filosofia de vida, diz que:

Nós esquecemos como desligar, como desconectar, como nos entregar totalmente a outra pessoa ou como fazer uma coisa de cada vez. O movimento Slow veio justamente para questionar tudo isso. É uma revolução cultural contra a noção de que mais rápido é sempre melhor. Mas isso não significa adotar um ritmo de lesma. Desacelerar tem a ver com qualidade, não quantidade. É sobre fazer coisas não o mais rápido possível, mas o melhor possível. (…) Respire, relaxe, administre seu ritmo, reduza a sua agenda e desligue os eletrônicos. É disso que o “Slow” trata: encontrar a velocidade certa para cada momento. Às vezes, rápido; às vezes, devagar. Ser “slow” é uma questão mental. Significa qualidade antes de quantidade, estar presente, fazer cada coisa de uma vez. Diz respeito a conexão, profundidade e significado.”

A proposta do movimento Slow é a de nadarmos contra a corrente imediatista do ritmo de vida atual, onde temos a sensação de que tudo deve ser para agora e o mais rápido possível. Ele foca nas experiências humanas, na consciência, no equilíbrio, no significado e isso engloba a forma de pensar, de agir, de consumir e de se relacionar.

Calma, respira

De onde vem a pressa? Você já parou para pensar nisso? O que nos leva a estar constantemente na correria? É fato que nos habituamos a isso. De alguma forma estamos condicionados a viver acelerados, não que isso seja sinônimo de paz, bem-estar e felicidade. Mas ficou cada vez mais difícil questionar este estilo de vida. Até porque muitas vezes glamourizamos e nos orgulhamos de estarmos constantemente ocupados e cansados, como se isso nos trouxesse um certo status.

Vivemos mesmo uma cultura da velocidade e no limite da exaustão. De vez em quando temos algum insight onde perguntamos se a vida é mesmo esse eterno cansaço. Sentimos que estamos pagando um alto preço. Mas então nos rendemos mais uma vez à pressão externa, já que é preciso sobreviver. E às vezes ser diferente é ser aniquilado pelo sistema. Contudo, entre o tudo ou nada, entre o 8 ou 80 há uma ampla quantidade de nuances. Não dá para viver como se não existissem prazos, tarefas, trânsito, urgências. A questão é equilibrar uma vida entre o fazer e o pausar. Algo que dificilmente acontece quando estamos inseridos em uma mentalidade acelerada e ativista.

Com relação a isso temos os efeitos da tecnologia que nos habituam ao imediatismo, a gratificação quase instantânea. Tornamo-nos cada vez mais impacientes com tudo e com todos. Nossa relação com o tempo é de que ele anda cada vez mais escasso. Muitas vezes cedemos às comparações injustas e medimos nosso ritmo pelo do outro, vivendo ainda mais desconectados e dispersos. Aumentando significativamente os sentimentos negativos de culpa e ansiedade.

Muitas coisas podem esperar. Quem estabeleceu certas urgências, como responder imediatamente às mensagens instantâneas, olhar o celular ao acordar, checar as redes sociais o tempo todo?

Viver devagar. Deitar cedo para cedo erguer. Ter tempo para nos espreguiçarmos com calma e sem ansiedade. Deixar a mente acordar e preparar um pequeno-almoço substancial e nutritivo. Conversar com a família e sair para fazer o exercício matinal, que nos desperta os sentidos. Ter pausas durante o dia para dormir uma sesta, ou fazer algo simples que liberte a hormona da felicidade, como ouvir a nossa música favorita ou brincar com o gato. Tirar 20 minutos à hora do lanche para meditar e alinhar objetivos. Gostaríamos todos de viver assim. Perdão, precisaríamos todos de viver assim.

Viver lento não é sinônimo de preguiça. Há sabedoria na calma. Sem tanta pressa podemos ser mais produtivos e experimentar melhor a vida. Simplificar a vida é um ganho significativo.

Menos é mais

Por que estamos sempre querendo mais? O que nos leva a consumir tanto? Compramos com consciência ou movidos por impulsos? Usamos e aproveitamos tudo o que consumimos? O que temos tanto a fazer? Por que vivemos tão atarefados?

Vivemos uma certa obsessão por consumir. Queremos novidades, coisas novas, ter mais e mais. Queremos possuir. Dificilmente estamos satisfeitos. Inclusive com relação a informação, estamos constantemente consumindo conteúdo. Sejam coisas materiais, comidas, experiências ou informações, estamos habituados a ter além do que necessitamos. A reagir e obter através dos impulsos, sem reflexões ou auto controle. Queremos o mais fácil, o mais rápido, o mais gostoso. Ficamos inaptos a lidar com as dificuldades inerentes a vida.

O medo de estarmos perdendo algo, a competição com o outro nos coloca em estado de motivação para não ficarmos para trás. Isso só favorece uma vida desequilibrada. Vivemos um estilo de vida consumista. A facilidade de adquirir e a constante mudança de foco buscando novidades também nos deixam com a criatividade embotada. Temos dificuldade para criar, para pensar em soluções, estabelecer objetivos a médio e longo prazo, para exercitar atividades artísticas, pensar de modo criativo e imaginativo.

Viver lento também é sobre repensar nosso consumo. A forma como nos relacionamos com nossos desejos. A consciência das necessidades. A busca por alternativas mais naturais. Procurar por durabilidade. Reaprender a aproveitar, reformar em vez de simplesmente descartar. Colocar em prática o conhecimento adquirido, viver com menos sobrecarga de informações. Quando possível, contribuir com a comunidade local. Viver mais simples e com menos excessos.

Contemplar e saborear

Uma vida apressada e atarefada nos deixa desatentos e apáticos. Fazemos as coisas no piloto automático, mais de uma tarefa por vez, anestesiamos as emoções e sentimentos. Dificilmente nos conectamos ao outro e à realidade, que parecem sempre mais entediantes. Perdemos a capacidade de saborear a vida e de contemplar.

Estamos constantemente com a sensação de que temos sempre que estar fazendo algo. Evitamos ao máximo o recolhimento enquanto nos entregamos avidamente às atividades. Recolher-se é desconfortável. Silenciar é impossível e indesejável. Com isso refletimos menos, reagimos mais, perdemos a preciosa paz de espírito.

Outra coisa que perdemos é o contato com a natureza e também com o natural. Temos uma enorme tendência a ficarmos restritos a ambientes fechados e a nos alimentarmos com produtos industrializados. Além disso, andamos tão atarefados que aos poucos vamos perdendo momentos preciosos e sentido na vida. Instala-se um vazio, uma nostalgia por uma vida mais humana.

Viver lento é entregar-se às experiências contemplando a multiplicidade de detalhes que há. Contemplar é estar em paz e calma em vez de postura reativa. Agradecer. Observar, permanecer. Cultivar a atenção. Apreciar os momentos. Encontrar alegria nas coisas simples. Dedicar tempo de qualidade ao que importa.

Desfrutar dos vínculos

A era da conexão é paradoxalmente a era da solidão. A facilidade em se conectar virtualmente trouxe detrimento aos relacionamentos presenciais. Estar com quem se ama é algo que, na prática, não consideramos tão importante assim. Preferimos as fotos, permanecer no celular ou adiar os encontros indefinidamente.

Ter boas relações afetivas é uma das maiores satisfações do ser humano. Partilhar, celebrar e até chorar juntos torna a vida mais leve e significativa. Em tempos de áudios acelerados, é prova de amor simplesmente passar tempo desfrutando a vida junto de alguém. Priorizar o resgate das relações, convivendo com mais presença, afeto e valorizando os vínculos com as pessoas que são importantes para nós.

Hábitos mais saudáveis

slow living tem um olhar voltado para a saúde como um todo. Por isso foca no desenvolvimento de bons hábitos de sono, atividade física e alimentação.

Dicas para uma vida mais lenta

  • Tente estar atento ao momento presente e fazer coisas que sejam possíveis de forma mais lenta e bem feita;
  • Nas folgas, sempre que possível faça algumas escapadas ao ar livre e aproveite a natureza;
  • Tente dedicar mais tempo de qualidade para a sua família e amigos;
  • Crie momentos e ambientes de conforto em casa, com luzes amarelas, velas aromáticas, óleos essenciais;
  • Estabeleça prioridades e defina limites;
  • Revise sua relação com o tempo e organize a sua agenda;
  • Encontre seu próprio ritmo;
  • Reduza o uso de dispositivos eletrônicos;
  • Livre-se do que não precisa mais e pense se realmente necessita de algo antes de comprá-lo;
  • Cozinhe mais e com produtos frescos;
  • Coma lentamente, sentindo o sabor da comida, desfrutando da refeição ao lado de pessoas queridas;
  • Pratique o “turismo lento”, desconectando-se do celular e tentando desfrutar plenamente da paisagem e das experiências;
  • Planeje as tarefas do dia-a-dia para que elas não se amontoem e seja possível dedicar o tempo necessário a elas;
  • Evite multitarefa;
  • Utilize os sentidos: sinta a vida através de um banho relaxante, de uma música querida, do abraço de quem ama, de uma comida afetiva, do sol na pele, dos pés na grama, do cheiro do seu filho, da visão do céu, da textura da roupa de cama, etc;
  • Torne sua rotina mais saborosa inserindo momentos de lentidão e desfrute;
  • Passe momentos com pessoas queridas;
  • Contemple a natureza;
  • Desacelere no dia a dia em alguns momentos;
  • Durma o mais cedo que conseguir, acorde o mais cedo que conseguir;
  • Movimente-se;
  • Cuide do seu corpo e da sua mente;
  • Nutra vínculos de afeto;
  • Aprecie os momentos da vida;
  • Crie boas memórias;

Terapeuta e Escritora

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