O mito da mãe perfeita
Nossa sociedade está cheia de mensagens, tanto abertas como dissimuladas, que fazem as mães se sentirem inadequadas – não importa o quanto se esforcem. Isso é especialmente verdadeiro no cenário digital atual, no qual somos constantemente bombardeados com imagens que evocam a “perfeição” em todas as áreas da vida – casa, trabalho, corpo, família, espiritualidade.
A internet aumentou o acesso a informações relevantes sobre parentalidade, mas talvez seu consumo excessivo tenha tornado as mães mais inseguras, confusas e alvo permanente de críticas.
Esquecemos facilmente que as redes sociais são apenas recortes da vida de todos nós. Quando absorvemos conteúdo sem esse senso crítico, acabamos nos deixando esmagar pela idealização e pela pressão. Começamos a nos cobrar, a pensar que devemos necessariamente agir de determinado modo e a imaginar que somente em nossa maternidade há a existência de erros e falhas.
Mas a verdade está bem distante disso. Esse pensamento disfuncional é uma distorção da realidade. Todos nós temos defeitos e qualidades, momentos bons e ruins, vitórias e fracassos. São coisas inerentes à nossa humanidade.
Além disso, a ideia de instinto materno coloca uma pressão adicional sobre as mulheres, como se ao engravidarmos já tivéssemos automaticamente todas as respostas e recursos emocionais e relacionais para cuidar de um filho, tornando essa uma tarefa fácil e inata. Contudo, o certo é que a maternidade não “nasce pronta”. Ela é uma escola onde estamos constantemente aprendendo.
Se somarmos isso à romantização da maternidade, temos o prato cheio para o mito da mãe perfeita. Aquele estereótipo de mãe totalmente devotada e inequívoca, que na verdade esconde uma grande dose de sobrecarga, estresse e frustração.
Em oposição a esse cenário encontramos o movimento da “Maternidade real”. Certamente você já deve ter esbarrado com algum texto, podcast, notícia ou até mesmo com alguma conhecida tratando a maternidade sob uma ótica completamente negativa e pessimista. Como se ser mãe fosse exclusivamente um fardo. Ambos os extremos encaram a maternidade de forma distorcida. Devemos encarar a maternidade de forma real: nem tão ao céu nem tão aos infernos.
“A expectativa da mãe perfeita, o julgamento social a respeito da maternidade alheia, o excesso de informações, conselhos e boas práticas aprisionam as mulheres a padrões impossíveis que inevitavelmente geram culpa, frustração, exaustão e raiva. Pesquisas mostram que, cada vez mais, nos sentimos piores enquanto mães. Temos sentido mais medo, estamos mais confusas, e nos sentimos inferiores. Essa sensação de ineficácia afeta nosso bem-estar físico, nossa saúde mental, e a nossa capacidade de sermos boas o suficiente no nosso papel de mãe” disse Adriana Drulla, mestre em Psicologia Positiva pela Universidade da Pennsylvania, programa criado por Martin Seligman, psicólogo fundador da psicologia positiva.
Ela prossegue dizendo “Na minha pesquisa, feita nos Estados Unidos com 246 pares de mães e filhos, descobri que mães autocompassivas têm filhos mais autocompassivos, e se sentem mais competentes no seu papel de mãe. A autocompaixão envolve a capacidade de fornecer suporte emocional a si mesmo, enfrentando desafios e adversidades com maior perspectiva e com a compreensão de que as dificuldades são comuns a todas as pessoas.A autocompaixão significa olharmos para as dificuldades com realismo e não com lentes de aumento. É sobre adotar uma postura gentil com relação a si mesma, dando pra si o que você precisa em um momento difícil, seja um banho demorado, seja pedir ajuda para alguém porque você precisa relaxar.“
Um termo que tem se tornado cada vez mais difundido é o da mãe suficientemente boa. O conceito foi apresentado pela primeira vez pelo pediatra e psicanalista inglês Donald Winnicott, também defensor do brincar como meio terapêutico para as crianças. Sua teoria sugere que quando a mãe tenta ser perfeita acaba sofrendo mais do que deveria, pois, suas expectativas acabam sendo frustradas.
Para ele, a “Mãe Suficientemente Boa” não é perfeita, como muitas vezes era – e ainda é cobrado destas pela sociedade (e até mesmo por outras mães) –, uma “Mãe Suficientemente Boa” é aquela que, além de prover as necessidades do indivíduo para se constituir como sujeito, também falha – o tempo todo –, e está continuamente corrigindo essas falhas. E é justamente a somatória das falhas, seguidas pelo tipo de cuidados que as corrigem, que acaba constituindo a “comunicação do amor, assentada pelo fato de haver ali um ser humano que se preocupa.” (Winnicott)
As mães precisam desenvolver o delicado equilíbrio entre oferecer atenção, promover a independência e ajudar o filho a lidar com a frustração. A mãe suficientemente boa seria apenas bem-intencionada, atenta, geralmente confiável, disposta a dar o melhor de si e investir na relação. Mas também alguém que falha com frequência e tenta se corrigir.
Certa vez uma psicóloga perguntou a uma paciente: “Os manuais e as influências que você segue sobre como criar um filho são compatíveis com a sua cultura, a sua condição socioeconômica, a sua rede de apoio?” Porque isso faz muita diferença também.
As mães não precisam acertar sempre. A criança não apenas vai sobreviver como, de acordo com Winnicott, desenvolverá resiliência e capacidade de adaptação. “As imperfeições da mãe suficientemente boa preparam os filhos para um mundo imperfeito”, escreveu o psicanalista.
Afinal, a vida e as pessoas fora da bolha familiar não atenderão a todas as demandas desta criança – e futuro adulto. O pediatra Daniel Becker concorda: “Quando ela entra em contato com a vulnerabilidade e as falhas dos pais, inconscientemente entende que eles são humanos. Isso lhe permite ser humana também. Crianças que têm pais perfeitos enlouquecem”.
Embora persista o mito de que a mãe deve ser uma figura abnegada, anular os demais aspectos da sua identidade pode gerar um modelo abusivo de afeto e dependência. Na tese de Winnicott, só serão mães felizes se forem pessoas felizes. “A mãe suficientemente boa construiu uma noção clara de qual é o seu limite”, diz o psicólogo Alexandre Coimbra Amaral.
Nesse ponto, a mãe suficientemente boa deve ter o equilíbrio para prover o que for o necessário para seu filho, mas sem abrir mão totalmente de suas próprias necessidades. Durante o crescimento da criança, a mãe suficientemente boa também se desenvolve não apenas ensinando, mas também aprendendo com os filhos.
Nessa dança mães e filhos vão valsando juntos, em seu próprio ritmo, construindo uma relação pura e profunda de amor genuíno e desinteressado. A mãe perfeita não existe, mas a mãe suficientemente boa vive dentro de todas nós e faz um bem enorme…
Terapeuta e Escritora