Espiritualidade,  Psicologia

Relatos de quem sofreu

Tempo de leitura: 17 minutos

[Alerta de gatilho]

Nos textos passados, escrevi sobre a psicologia das seitas, as derivações sectárias e as lideranças narcisistas. No texto de hoje trago testemunhos verídicos de pessoas que passaram por abuso espiritual. O anonimato foi mantido por questões de privacidade e segurança. Não aconselho a leitura para aqueles que tem a fé frágil ou já passaram por experiências traumáticas.

Saber que esta realidade existe nos situa diante da possibilidade da prevenção e da mudança. Erroneamente muitos ainda acreditam na ideia de que pelo bem da Instituição tudo deve ser acobertado. O mal vive nas sombras, tudo aquilo que trazemos para a luz pode ser exorcizado. Vivemos em uma época de grande guinada de consciência a respeito do abuso – que inclusive pode acontecer em qualquer ambiente, seja religioso, familiar ou social.

Na Carta aberta ao Povo de Deus, o Papa Francisco declarou: “«Um membro sofre? Todos os outros membros sofrem com ele» (1 Co 12, 26). Estas palavras de São Paulo ressoam com força no meu coração ao constatar mais uma vez o sofrimento vivido por muitos menores por causa de abusos sexuais, de poder e de consciência cometidos por um número notável de clérigos e pessoas consagradas. Um crime que gera profundas feridas de dor e impotência, em primeiro lugar nas vítimas, mas também em suas famílias e na inteira comunidade, tanto entre os crentes como entre os não-crentes. Olhando para o passado, nunca será suficiente o que se faça para pedir perdão e procurar reparar o dano causado. Olhando para o futuro, nunca será pouco tudo o que for feito para gerar uma cultura capaz de evitar que essas situações não só não aconteçam, mas que não encontrem espaços para serem ocultadas e perpetuadas. A dor das vítimas e das suas famílias é também a nossa dor, por isso é preciso reafirmar mais uma vez o nosso compromisso em garantir a protecção de menores e de adultos em situações de vulnerabilidade. (…) Faço minhas as palavras do então Cardeal Ratzinger quando, na Via Sacra escrita para a Sexta-feira Santa de 2005, uniu-se ao grito de dor de tantas vítimas, afirmando com força: «Quanta sujeira há na Igreja, e precisamente entre aqueles que, no sacerdócio, deveriam pertencer completamente a Ele! Quanta soberba, quanta autossuficiência!… A traição dos discípulos, a recepção indigna do seu Corpo e do seu Sangue é certamente o maior sofrimento do Redentor, o que Lhe trespassa o coração. Nada mais podemos fazer que dirigir-Lhe, do mais fundo da alma, este grito: Kyrie, eleison – Senhor, salvai-nos (cf. Mt 8, 25)» (Nona Estação). (…)

A dimensão e a gravidade dos acontecimentos obrigam a assumir esse facto de maneira global e comunitária. (…) Se no passado a omissão pôde tornar-se uma forma de resposta, hoje queremos que seja a solidariedade, entendida no seu sentido mais profundo e desafiador, a tornar-se o nosso modo de fazer a história do presente e do futuro, num âmbito onde os conflitos, tensões e, especialmente, as vítimas de todo o tipo de abuso possam encontrar uma mão estendida que as proteja e resgate da sua dor (cf. Exort. ap. Evangelii gaudium, 228). Essa solidariedade exige que, por nossa vez, denunciemos tudo o que possa comprometer a integridade de qualquer pessoa. Uma solidariedade que exige a luta contra todas as formas de corrupção, especialmente a espiritual «porque trata-se duma cegueira cómoda e autossuficiente, em que tudo acaba por parecer lícito: o engano, a calúnia, o egoísmo e muitas formas subtis de autorreferencialidade, já que “também Satanás se disfarça em anjo de luz” (2 Cor 11, 14)» (Exort. ap. Gaudete et exultate, 165). 

(…)

Reconheço o esforço e o trabalho que são feitos em diferentes partes do mundo para garantir e gerar as mediações necessárias que proporcionem segurança e protejam a integridade de crianças e de adultos em situação de vulnerabilidade, bem como a implementação da “tolerância zero” e de modos de prestar contas por parte de todos aqueles que realizem ou acobertem esses crimes. Tardamos em aplicar essas medidas e sanções tão necessárias, mas confio que elas ajudarão a garantir uma maior cultura do cuidado no presente e no futuro. Juntamente com esses esforços, é necessário que cada batizado se sinta envolvido na transformação eclesial e social de que tanto necessitamos. 

(…) É impossível imaginar uma conversão do agir eclesial sem a participação activa de todos os membros do Povo de Deus. Além disso, toda vez que tentamos suplantar, silenciar, ignorar, reduzir em pequenas elites o povo de Deus, construímos comunidades, planos, ênfases teológicas, espiritualidades e estruturas sem raízes, sem memória, sem rostos, sem corpos, enfim, sem vidas[2]. Isto se manifesta claramente num modo anômalo de entender a autoridade na Igreja – tão comum em muitas comunidades onde ocorreram as condutas de abuso sexual, de poder e de consciência – como é o clericalismo, aquela «atitude que não só anula a personalidade dos cristãos, mas tende também a diminuir e a subestimar a graça batismal que o Espírito Santo pôs no coração do nosso povo»[3]. O clericalismo, favorecido tanto pelos próprios sacerdotes como pelos leigos, gera uma ruptura no corpo eclesial que beneficia e ajuda a perpetuar muitos dos males que denunciamos hoje. Dizer não ao abuso, é dizer energicamente não a qualquer forma de clericalismo.

(…)

É imperativo que nós, como Igreja, possamos reconhecer e condenar, com dor e vergonha, as atrocidades cometidas por pessoas consagradas, clérigos, e inclusive por todos aqueles que tinham a missão de assistir e cuidar dos mais vulneráveis. Peçamos perdão pelos pecados, nossos e dos outros. A consciência do pecado nos ajuda a reconhecer os erros, delitos e feridas geradas no passado e permite nos abrir e nos comprometer mais com o presente num caminho de conversão renovada.

Da mesma forma, a penitência e a oração nos ajudarão a sensibilizar os nossos olhos e os nossos corações para o sofrimento alheio e a superar o afã de domínio e controle que muitas vezes se torna a raiz desses males. Que o jejum e a oração despertem os nossos ouvidos para a dor silenciada em crianças, jovens e pessoas com necessidades especiais. Jejum que nos dá fome e sede de justiça e nos encoraja a caminhar na verdade, dando apoio a todas as medidas judiciais que sejam necessárias. Um jejum que nos sacuda e nos leve ao compromisso com a verdade e na caridade com todos os homens de boa vontade e com a sociedade em geral, para lutar contra qualquer tipo de abuso de poder, sexual e de consciência.”

Os relatos servem para abrir nossos olhos para uma realidade onde diversos dos nossos irmãos têm sofrido profundamente. E eles também servem como uma ação preventiva. Cada um de nós diante dessas histórias está chamado a refletir, a ficar alerta e a promover uma mudança na Igreja seja através da oração, do acolhimento e escuta das vítimas, da denúncia aos órgãos eclesiais responsáveis, seja alertando uma pessoa vulnerável, seja refletindo sobre as próprias ações como liderança e comunidade, entre outros.

Relatos

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Suas postagens me ajudaram muito a abrir meus olhos, muito do que você posta e esse artigo que você compartilhou acontecia no movimento que participava dentro da Igreja Católica, onde fiquei por 10 anos, num determinado momento éramos obrigados a levar pessoas para os retiros, sob pressão e ameaças, tínhamos metas a serem batidas como em ambientes corporativos, se você tinha algum problema com algum familiar, não importava, você tinha que estar na comunidade, pois “Deus iria cuidar desse seu familiar”, frases de efeito, de intimidação, ambiente altamente emotivo, você precisava se entregar de corpo e alma e nada podia ser questionado em nome da obediência, comecei a ter insônia, crise de ansiedade, angústia, pois como “não batia minhas metas”, ficava pra baixo. Com muito custo tomei a coragem de sair e quem era tido como servo fiel, amigo para todas as horas, hoje é como se eu não existisse mais. Faz 1 ano e meio que saí dessa comunidade, Precisei fazer tratamento, por conta da insônia e da ansiedade, atualmente estou melhor, mas permaneço invisível para quem ficou na comunidade, parece que hoje sou um inimigo.

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Estive em um desses grupos. Fui membro de uma Comunidade Nova, de vida. Vivi dez anos de minha juventude nela, o fundador era um Padre que hoje não está mais na Comunidade. Meu relato é que foram anos de abuso que na época eu muito jovem achava normal, hoje vejo que a obediência cega foi um erro, teve muito abuso psicológico não só do Padre mas de autoridades e hoje vejo como eles eram adoecidos. Descobri muita coisa ruim depois que saí mas eu procurei ajuda e fiz terapia e fiquei bem, minha religiosidade foi preservada mas muitos saíram e se perderam na vida, não querendo mais a Igreja até membros que foram pra uma vida devassa, de um extremo ao outro. O rigor era muito grande e parecia que só quem era da comunidade se salvaria, isso era o discurso. Saí de uma família estruturada pra uma vida de muitas brigas e disputas por poder. Hoje quando vejo jovens cheios de ideais como eu, Indo pra comunidades rezo muito porque sei que o estrago é grande.

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Passei por um processo de saída de uma ordem religiosa tradicional depois de um ano de aspirantado e pude identificar tantos desses aspectos na comunidade… é assustador… principalmente porque vejo que não foi uma realidade isolada, mas algo que está presente em tantos grupos e comunidades (tenho muitos relatos e amigos próximos que passaram por situações semelhantes). Lendo o texto sobre as derivações sectárias me chamou muito a atenção sobre esse isolamento que os superiores tendem a fazer…
No meu caso, eu sentia alguns incômodos na vida comunitária e não tinha com quem partilhar, era um peso, uma culpa, um medo… Nem mesmo com minhas duas colegas de aspirantado.
E os poucos momentos em que pudemos pontuar entre nós era sempre de forma escondida, falando baixinho, com medo de alguma irmã “nos pegar”. Inclusive a minha relação com meu diretor espiritual foi praticamente cortada (ironicamente onde a “Santa Madre” insistiu tanto na liberdade de suas monjas escolherem seus diretores e confessores, mesmo quando o mosteiro tinha um confessor/diretor próprio – o que nem era o caso – de modo a ser mesmo um ponto de constituição).
Durante o ano que eu passei lá, só pude ligar para ele duas vezes (ele não podia me visitar pois estava morando no exterior) mesmo pedindo diversas vezes a Madre que as ligações fossem mais frequentes… E em uma das ligações, onde eu pude (com medo) relatar algumas das situações que me incomodavam, aconteceu que no mesmo dia, após o recreio da noite, a Madre tentou justificar um dos mesmos pontos que eu havia relatado no telefonema (algo que diante de tudo que eu experienciei dentro e após minha saída, não pode ter sido “coincidência”, ou seja, nem a privacidade em minhas direções eu tinha).

E isso não só comigo, mas as outras formandas também tiveram suas relações com padres e diretores cortadas mais por influência da superiora que pela própria clausura… Mas enfim, esse foi apenas um de tantos, tantos aspectos… e eu agradeço demais o esclarecimento sobre todas as situações, inclusive, bem próximo a minha saída eu li o livro sobre os riscos da vida religiosa por indicação sua no instagram e foi de grande ajuda!!

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Como é necessário esse assunto. Passei muitas dificuldades por conta disso, e ainda lido com algumas consequências disso.

Participei de um processo vocacional em uma comunidade que acabou com minha saúde mental, por imaturidade da pessoa que “cuidava de mim”. Eu era muito obediente, era pedido que nós falássemos tudo como estava sendo o processo, como nos sentíamos. Eu estava em um momento da minha vida onde não entendia o que tinha que fazer, terminando a faculdade, fazendo iniciação científica, minha mente estava começando a adoecer, estava apresentando claramente sinais de ansiedade e depressão, e ela disse que eu era mimada que reclamava de tudo, que Deus me deixaria sofrer pq eu era birrenta, além de que eu estava apaixonada por um amigo que hoje é meu marido e pai do meu filho, e eu não tinha liberdade e nem permissão para conversar com ele por mensagem nem sozinha pessoalmente, eu fiquei nessa restrição por um ano, uma das coisas que piorou o meu quadro. Eu não tinha liberdade.  Enfim, depois de uma crise onde chorei por dois dias dia e noite, eu e ele chegamos a conclusão de que tinha algo errado em sermos privados da nossa liberdade, e saímos, pois ele também era de lá. Depois disso entrei em depressão profunda, fiquei de cama, não tinha forças pra tomar banho, minha vida era chorar e pensar em me matar, fui voltando aos poucos e me recuperando, infelizmente não tive acesso a um bom psiquiatra ou uma psicóloga que entendesse meus problemas, mas fui melhorando, porém até hoje tenho que lidar com a sensação de que Deus não se importa comigo, minha relação com ele foi devastada, permaneço na igreja, e pouco a pouco vou melhorando cada vez mais, isso fazem anos, mas as sequelas foram gigantes pra mim, e nunca consegui explicar de verdade isso pra ninguém além de meu marido, todos pareciam me julgar por ser algo pequeno, mas pra mim, foi um empurrão do precipício.

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Eu participei de uma comunidade e fui convidada a me retirar, fui desligada por questionar as manipulações que eu via na formação. Muitas vezes diziam: “Deus disse isso” e não era Deus. Chegaram ao ponto de falarem que pra eu assinar minha carteira tinha que passar pro formador e eu pensei: é um emprego lícito, porque Deus não iria querer que eu trabalhasse de carteira assinada ? Assinei sem passar e tinha diversas outras coisas que me faziam questionar a real necessidade de tudo passar para os superiores. Achei por ingenuidade e desconhecimento que era um problema ao qual a fundadora não via e decidi tomar coragem e levar tudo que eu estava vendo na minha formação a ela. Obviamente que ao levar a ela, ela não aceitou e começou o movimento de isolamento e de inventar que eu estava com planos de destruir a obra de Deus e que estava endemoniada, sim disseram que eu estava com espírito de jezabel.

Cheguei a duvidar de mim mesmo e se de fato eu não estaria mesmo com demônio no corpo, por estar vendo tudo aquilo em uma obra de Deus e busquei um sacerdote, que fez um atendimento de 4 horas comigo e tirou o peso que eu trazia nas costas dizendo, que nada era fruto do demônio e tudo que eu estava vendo era verdade. Na época quase comprometi meu emprego, não conseguia trabalhar, fiquei mal por dias até esse padre me libertar da neurose de achar que eu estava sob poderes do demônio. A co-fundadora marcou uma sabatina comigo pra eu sustentar todos os questionamentos que eu fiz a fundadora diante de todos os consagrados e o pessoal do discipulado (membros que se consagraram naquele ano) mais ou menos umas 20 pessoas e a fundadora. Fui e sustentei tudo, houve uma que creio que só não me agrediu, nem sei porque. Ninguém mais fala comigo, meu nome foi proibido praticamente, sob a justificativa que eu planejava destruir a obra de Deus. Mapearam todos que estavam próximos a mim.

Enfim, história longa e é isso mesmo que você trás no texto. Por obra de Deus, na época de Facebook encontrei o Mário Umetsu e com isso entendi tudo que ali me havia acontecido e consegui de fato, me desligar.

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Há tempos sigo seu perfil e mesmo nunca partilhando minha experiência suas palavras chegaram em terras longínquas. Durante minha adolescência sofri abuso psicológico e tentativa de estrupo na comunidade em que participava. Eu era missionária e meu processo de cura durou anos. Obrigada pelo seu apostolado! Rezo sempre por você e sua família. Deus faz muito por meio da tua pequenez!

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Não sei nem por onde começar…
Hoje estou bem melhor, nos primeiros meses após a minha saída foi bem difícil, se eu pudesse descrever o sentimento é de impotência, solidão, revolta… pois quem vai acreditar na palavra de leigos perante a uma instituição religiosa? Só que nessa instituição que eu participei aconteceu com várias pessoas. Acredito que você saiba melhor do que eu, muitas pessoas quando entram nesses movimentos principalmente religiosos, entram com feridas, vazios no coração, e são acolhidos, entram para o “time” para depois serem manipulados e coagidos e caso pensem diferente da direção da instituição são excluídos.

Comecei notar que havia muita manipulação de diversas formas, nos relacionamentos entre os jovens, alguns não podiam nem sequer conversar 5min com a pessoa que estava afim que já tomava um gancho de não poder falar no Whats ou até mesmo um “deserto” da pessoa que vc gostasse, tudo isso com a desculpa que vc não estava vivendo bem as “regras”, mas isso dependia de quem era a pessoa, pois muitos praticamente não seguiam as regras e não acontecia nada com esses pois tinham uma certa influência dentro da instituição. Depois comecei a notar que muitos membros que saíram eram extremamente vistos como pessoas más, assim do nada, até ontem era uma pessoa boa, e no dia seguinte a direção contava os “erros” e do nada todos tínhamos que parar de falar com o ex-membro que saiu, e quem está na instituição não podia nem sequer saber o lado da história da pessoa que saiu, e eramos probidos de falar com essas pessoas, pois não devemos nos juntar aos “lobos em pele de cordeiro”.

Notei que em todos os anos da instituição não há nenhum padre desde o início, posso estar enganad, mas muitos que um dia serviram, hoje aconselham a não participar, óbvio que não diretamente, e alguns dos padres falam que é uma seita essa instituição. Mas o que a instituição fala? que são padres ruins e perseguidores. comecei a notar muitas coisas desse tipo! Mas aí vem aquele sentimento de culpa por pensar mal dos diretores, pois vc foi “acolhido”, depois vem o sentimento de vc está ficando louco vendo coisas que não “existem”, depois vem o sentimento de esperança de Deus mudar as coisas, depois vem o carinho que vc tem pelos amigos que vc fez lá, pois devido a quantidade de missões  vc acaba se afastando dos amigos de fora da instituição e sua família. E os pais dos mais jovens que falam que o filho está sofrendo lavagem cerebral, eles falam que os pais estão errados e de forma sutil colocam o filho contra os pais.

De uns tempos pra cá notei que a direção da instituição estava usando novenas/orações de Santos  para expulsar as pessoas que eles queriam, “foi santo X que revelou a vida dupla dessa pessoa, santo X vai nos livrar dos inimigos infiltrados”. A direção trazia brigas pessoais pra dentro da instituição e todos os membros eram obrigados a comprar essas brigas e isso era doloroso pois vc tinha que se afastar de grandes amigos, e o pior é que não deixavam nós membros sabermos o lado da história das pessoas que saíram.

Eles são duros demais com alguns erros de alguns membros, mas complacentes e acobertam erros dos filhos dos diretores, erros graves inclusive, mas sempre com aquela desculpa: “são perseguidores/caluniadores pois somos pessoas públicas e querer nos difamar”.  Os diretores da instituição diziam que muitos jovens mentiam para seu anjo/formador, mas na verdade pareciam que eles queriam que os jovens contassem suas fraquezas ou até mesmo os seus pecados, muitas vezes era usado como uma mensagem geral no grupo de whats, óbvio que não falava nomes, mas falavam “como é que ainda tem gente que faz isso/que ainda tem esse pecado na caminhada?”

Os diretores acham que são os profetas que possuem o cajado pra salvar a igreja, vivem falando mal de outras instituições, hoje pelo menos o discurso mudou e que essa instrução é apenas um caminho de vários que a igreja possui.  Nós membros não podíamos conversar entre nós, pois eles falavam que se vc conversasse com o seu irmão de comunidade as coisas que vc acha errado vc estaria queimando a vocação do seu irmão e que vc era um murmurador, todas as pessoas que saíram, alguns por querer viver a vida de outra forma, outros por erros pessoais, outros por não concordar com os erros da instituição, TODOS foram queimados, e não puderam se defender dos ataques, perderam todos os amigos da instituição, como nossa vida está totalmente voltada a instituição vc acaba não tendo amigos fora e nem quer ter contato com outros amigos seus que saíram pois eles dizem que os piores inimigos são os ex-membros que se juntam para falar mal da instituição, vc fica num barco sem saída, sozinho, a gente sabe que não dá pra viver a fé sozinho. Procuram o motivo mais chulo pra agredir a imagem dos que resolveram sair pra mostrar que quem saiu é uma pessoa de má índole ou de vida dupla, vivem pedindo depoimentos/cartas para as pessoas que estão, de como a instituição mudou a vida delas, coitadas, mal sabem o que acontece na caminhada vocacional.

Eu já conversei escondido com alguns amigos que ainda estão lá, muitos tem vontade de sair mas tem medo de perder tudo assim como aconteceu com os que saíram e serem vistos como lobos em pele de cordeiro e vivem uma vida INFELIZ, sentem que tem a sua liberdade roubada. Tem algumas pessoas que são responsáveis pela vigilancia da instituição esses vigiam tudo, conversas pessoalmente de pessoas, rede sociais, teve um dia que eu já estava prestes a sair e chegou uma dessas pessoas bem perto pra ouvir a conversa que eu estava tendo com o padre de cunho pessoal, é triste! Essa instituição e os membros estão doentes não conseguem enxergar o óbvio.

Percebi que o trato com as pessoas que tem uma influencia financeira, eclesial ou política é totalmente diferente. A instituição em si é um lugar pra frequentar, tem muita gente de bom coração, mas a caminhada vocacional é inviável, é uma seita que se vc não descordar de algumas coisas vc é “convidado a sair” não te chamam mais para os eventos, até mesmo publicamente falam mal de vc nos encontros.
Como eu disse no começo, muitos padres são contra a instituição, mas como um bom padre, não irão falar abertamente, apenas se o fiel questione a opinião dele. Tenho pena dos padres novos que estão servindo lá, caso aconselhem algum jovem da caminhada ou descordem de algo, nunca mais serão chamados a servir e serão vistos como padres maus e perseguidores.

Eu li os artigos que vc escreveu, parecia que vc conseguiu traduzir em palavras tudo que eu sinto, até mesmo que vc viveu na instituição. E pra terminar, em todos esses anos da instituição não existe nenhum ex membro participando e todos estão fazendo tratamento psicológico. É triste demais.

Mas como eu disse, quem vai acreditar em leigos perante uma instituição?

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Eu entrei para uma comunidade aos 17 anos. Você passa por todo um processo para ser aceito. Então, o fato de receber um “sim” deles, já me gerou uma alegria enorme. Quando entrei, fiquei sabendo das regras. Tudo bem. “Qualquer lugar precisa de regras”. Regras então como: andar sempre de dois, era para a nossa proteção. Não saíamos na rua sozinhos (uma pessoa era escolhida para ir com você). Nem mesmo em momentos de evangelização, podíamos estar sozinhos com uma pessoa de fora da comunidade. Onde nós morávamos, você também não podia ficar sozinho nos lugares. Se você ia lavar roupa, precisava de mais duas pessoas com você. Se você ia lá fora no espaço onde a roupa secava, precisava de mais duas pessoas. Se você juntava uma turminha para assistir alguma coisa na sala de TV, precisava de uma pessoa específica estar presente na sala (eram as chamadas “formadoras”). Essas formadoras eram responsáveis por estarem presentes nos ambientes comuns, e fazerem um “relatório formativo”, comunicando aos superiores qualquer coisa que acontecesse. Não era só as formadoras que eram incentivadas a comunicar a eles sobre o que os membros faziam. Todos nós, éramos.

Homens e mulheres eram separados. Nas missas, nas confraternizações em que os dois grupos estavam presentes, nas reuniões e formações, sempre estávamos separados. Essa regra só não valia para a casa onde morava o fundador. Quando a igreja resolveu acompanhar mais de perto e investigar algumas coisas, a comunidade se colocou totalmente na defensiva e alegou que estava sendo perseguida. Fomos orientados a não falar nada do que estava acontecendo com a nossa família, ou com os padres que conhecíamos fora da comunidade. E na comunidade tinha uma política de todos se levantarem para defender um único membro que estivesse sendo atacado. Geralmente, quem se valia disso, era o fundador. Então, quando ele foi afastado para que houvesse a investigação, todos os membros estavam prontos para defendê-lo. E por mais que não concordasse com algo, se você falasse disso lá fora, era como se estivesse traindo sua família. Quem tivesse ideias diferentes, ou discordasse de algo, era tido como uma liderança negativa, e era convidado a se retirar. Não importa se essa pessoa estava lá há um mês, ou dez anos. A partir do momento em que ela questionava, ela era automaticamente um lider negativo. Quando a nossa família ia nos visitar, não ficávamos sozinhos com eles. Tinha sempre outro membro junto. Em média uma vez por mês, tínhamos atendimento com duas pessoas para falar como estava sendo as coisas, e sobre o discernimento vocacional. Em tese, era para melhor te orientar. Na prática, não era só isso. Esses atendimentos se tornavam relatórios, que iam para as mãos dos superiores. Como você nunca estava sozinho, não expressava muito sua opinião, era formado dia e noite sobre o que pensar e como se comportar, tinha até mesmo um guia de como se vestir ilustrado… Quando saí desse lugar, eu não tinha identidade pessoal. Eu levei muito tempo para redescobrir meus gostos, meus sonhos, meus projetos. Levei mais tempo ainda, para entender o que eu vivi e começar a me libertar do modo de pensar e agir que fui treinada lá dentro.

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Por 5 anos fiz parte de uma “nova comunidade” que “vendia sonhos” de experiências no exterior, como era jovem encantei-me com a ideia de morar fora do país e aprender outra língua. Durante o período em que estive na Europa percebi as irregularidades da comunidade e o modo como esta “conduz” seus membros vocacionalmente, tínhamos inúmeras metas e nada do que fazíamos tinha um viés puramente evangelizador mas sim com interesses financeiros e estratégicos para a obra. O fundador era tratado como rei, nem uma mochila carregava, tinha um grupo seleto de pessoas (mulheres) que convivia com ele que segue um determinado padrão: ou são “intelectuais” ou são “bonitas” – por vezes os dois juntos – ou estão dipostas a fazer o que ele quer.

A comunidade a partir do seu fundador caiu numa neurose de “fim dos tempos” onde tudo o que se faz supostamente é para que sobrevivam tendo em vista que teremos “fomes, guerras, conflitos” iminentes e lá será um dos pontos de refúgio no mundo onde as pessoas serão salvas, tem até familiares de membros que se mudaram para próximo da comunidade a fim de que sejam “salvos”. Por muitas vezes se fazia campanhas para arrecadar algum valor pra comunidade no intuito de pagar ou adquirir algum bem o que obrigava os membros a contatar amigos e familiares para “doar” para a obra, fidelizando sua doação.

A relação com a família foi fragilizada, todas as outras comunidades não prestavam, existia padrão para vestir e se comportar. Terrivelmente muitas pessoas amigas próximas deixaram de falar comigo conforme a orientação das autoridades da comunidade. Foi um período terrível, mas agradeço a Deus por ter me libertado e me feito acordar desse pesadelo. Lamentavelmente ainda existem muitas pessoas lá. Agradeço pelos artigos que muito me ajudaram a compreender o que eu vivi. Hj sigo minha missão e sirvo a igreja sabendo que Deus me livrou de uma seita.!

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Minha saída tem sido muito dolorosa. Eu queria acrescentar que vivi anos lá dentro, eles não estão nem aí para as vocações, querem a produtividade do membro, éramos o tempo todo manipulados, inclusive as orações de escuta a Deus também eram. Ficávamos 4h ou mais ( sem exagero) sentados ouvindo sobre um tema e depois vinha uma pessoa conduzir uma oração e a oração era Deus falando sobre a formação e Deus só confirmava a formação.

Nenhum outro instituto presta pra eles. Eles são os mais pobres, mais casto e mais obedientes. Criticam outros movimentos que têm diferença de tratamento entre os membros, mas lá dentro o fundador e seu grupo de amigos levam vida de luxo. O carro do fundador, que repete o tempo todo que é da Comunidade, ninguém toca pra dirigir ( só pra limpar é claro). Se alguém precisar sair e o único carro disponível é o dele, ou fica sem sair ou se vai a pé. O fundador anda sempre cercado de um grupo de mulheres que carregam tudo pra ele, essas mulheres são as que nas orações dizendo ( atenção, não é exagero e nem mentira eu estava presente): “Eu tenho uma imagem de Jesus sentado no trono, Ele se levanta e dá seu trono ao fundador.” Outra oração numa sexta feira dizia-se que devíamos reparar o coração do fundador. 

Citei sobre os cuidados com o fundador porque ele é tido hoje como um deus, ninguém pode pensar diferente dele. Quem sai de lá de dentro é chamado pelo fundador de gay, lésbica ou ladrão, não existe discernimento, existem pessoas marxistas e fracas que não suportam a radicalidade da Comunidade. O tempo todo falam que não tem dinheiro para remédios e necessidades dos membros, mas na mesa do fundador nunca falta nada. Para os encontros com o fundador ele as vezes aparece só as 10h, ele não se desculpa nem se justifica, simplesmente chega no seu horário. Esse endeusamento do fundador é tão grande que até os padres entraram nessa, os que alertaram que não é bem assim, hoje são vistos como perseguidores da obra.


Aos que desejarem enviar seu relato para agregar este post, podem escrever para o meu email rayhannesd@gmail.com . Além disso, junto com três amigos terapeutas, realizamos gratuitamente e online um Grupo Terapêutico de Escuta e Apoio às Vítimas de Abuso Espiritual. Para participar, basta acessar este link.


Nos próximos textos falarei mais especificamente sobre o que compreende o abuso espiritual, seus subtipos e causas.

Terapeuta e Escritora

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