Desfocados
Talvez você não tenha se dado conta, mas vivemos uma crise da atenção. Uma epidemia de perda de foco. Um prejuízo significativo da concentração e da memória. Estamos desfocados não apenas pela perda da concentração, mas porque quanto mais dispersos mais nos tornamos um borrão de nós mesmos. A identidade dilui-se na massa. A nossa atenção está constantemente dividida e a nossa personalidade, fragmentada.
A crescente incapacidade de focar em uma atividade por muito tempo é uma das reclamações mais recorrentes do mundo contemporâneo. Provavelmente comportamentos assim não devem ser incomuns para você: pular de uma tela para a outra, checar inúmeras vezes as notificações, rolar o feed até perder noção do tempo, dificuldade em focar em uma tarefa única por mais de meia hora, necessidade de um esforço maior para se concentrar em uma leitura, tentar descansar usando as redes sociais e perceber que ficou ainda mais cansado, dificuldade em estar presente nos momentos e em lembrar das coisas, ansiedade para checar o celular, entre outros.
Se estamos focados em alguma coisa e somos interrompidos leva em média 23 minutos para recuperarmos o foco, segundo um estudo de Michael Posner (Universidade de Oregon). Outra descoberta interessante é a de que pessoas que não são capazes de ter foco são mais atraídas para soluções autoritárias e simplistas, como informou Johann Hari em seu livro ‘Foco roubado’. Talvez não seja à toa a grande multiplicidade de gurus virtuais após a popularização de redes como Instagram, Facebook e Twitter. A crise da atenção acomoda as pessoas em um estado de superficialidade e de alienação de si mesmas, o que é uma brecha propícia para que qualquer figura charlatanista ou minimamente extremista e autoritária seja tomada como uma referência total de sabedoria.
Não é tanto que as pessoas abrem mão de si mesmas para entrar nesse jogo. É que elas já estão tão perdidas dentro da própria vida devido a constante dispersão e falta de introspecção que são facilmente atraídas para este lugar de falsa segurança. Assim transferem o seu esforço de pensar e de decidir por si mesmas para essas figuras. Afinal a capacidade de sermos criativos e solucionadores de problemas definha com a perda de foco e de profundidade. Pensar dá trabalho, exige esforço, concentração e também energia fisiológica. Mas como falar em energia corporal se também estamos diante de uma sociedade que majoritariamente se alimenta mal, dorme mal e é extremamente sedentária? É uma crise complexa onde vários fatores confluem e se retroalimentam.
O dr James Williams tem razão quando diz que “Se quisermos fazer algo importante em qualquer domínio – em qualquer contexto da vida -, precisamos ser capazes de dar atenção às coisas certas.” Quando vivemos focados no que não é importante, estamos constantemente desconectados do que é essencial e vital. Mas então o que é verdadeiramente indispensável? Se estamos dia após dia dando mais atenção ao que é irrelevante do que ao que consideramos como necessário, não estamos em uma grande incoerência?
É inegável que sofremos todos uma grande pressão cultural e social que nos conduz inevitavelmente a este estado desfocado. A cultura da multitarefa e da produtividade, a normalização do estar hiper conectado, a força do consumo, o próprio funcionamento dos dispositivos tecnológicos e dos aplicaticativos somam-se e transformam-se em uma força sutil poderosa. Afinal, quanto mais tempo ficamos conectados mais alguém está lucrando – e não somos nós mesmos. A nossa atenção é o ouro nesta crise.
O estado de dispersão somado ao de excesso de estímulos nos coloca em um estilo de vida estressante, ansioso e acelerado. O resultado? A exaustão, a depressão e a angústia. A boa notícia é que dá para recuperar o foco roubado. É possível utilizar a tecnologia de modo favorável. Tudo começa a partir da tomada de consciência pois enquanto vivemos alienados somos incapazes de mudar. Depois é preciso assumir que há mesmo um problema. Afinal, negar e seguir a correnteza dos maus hábitos como a maioria faz parece ser menos trabalhoso.
Por fim, o caminho é encontrar aquilo que é valioso e importante na própria vida, percebendo como a tecnologia pode servir a este fim em vez de atrapalhar. Eliminar as distrações para dar atenção ao que merece e precisa verdadeiramente da nossa atenção. Consumirmo-nos em uma vida significativa. Na simplicidade da vida nos tornamos mais leves e felizes quando compreendemos que a internet, o celular e os aplicativos são ferramentas e não o centro da nossa vida. Elas devem nos servir, sendo utilizadas para o nosso bem e o do próximo. O problema é quando permitimos que as ferramentas se tornam os senhores, nos transformando em escravos.
Terapeuta e Escritora