Psicologia

Escrita terapêutica

Tempo de leitura: 5 minutos

O melhor de tudo é o que penso e sinto, pelo menos posso escrever; senão, me asfixiaria completamente.” Anne Frank

A nossa mente trabalha o tempo todo para captar, interpretar e tentar compreender as coisas, situações, pessoas, sensações, perigos, eventos, etc. Pensar é um dos trabalhos do nosso cérebro e isso despende uma grande quantidade de energia. Existem formas diferentes de trabalho reflexivo: podemos fazer isso através de um diálogo interior, através de conversas, da escrita e até mesmo do teatro.

A escrita terapêutica (também chamada escrita expressiva, emocional ou intuitiva) é uma ferramenta de autoconhecimento. Traduzir uma experiência em linguagem é uma maneira de torná-la mais visível, mais palpável e mais compreensível. Por isso os benefícios dessa técnica não se resumem a se conhecer. O pesquisador James W. Pennebaker, que estuda essa forma de escrita há mais de 30 anos, discorreu sobre alguns dos efeitos positivos da escrita expressiva. Se quiserem saber mais sobre a pesquisa dele, basta acessar este link.

As pesquisas científicas recentes sobre os benefícios da escrita expressiva são surpreendentemente vastas. Apesar de a escrita ser utilizada há milênios para explorar e expressar emoções, só recentemente pesquisas têm fornecido evidências de que a saúde pode ser influenciada quando as pessoas transformam seus sentimentos e pensamentos em palavras grafadas (PENNEBAKER; CHUNG, 2011) A escrita expressiva tem sido utilizada como uma técnica em que indivíduos são convidados a colocar seus pensamentos e sentimentos sobre diversos acontecimentos em palavras, por escrito – semelhante à manutenção de um diário (SMYTH; PENNEBAKER; ARIGO, 2012).

Durante o exercício da escrita, o indivíduo é incentivado a deixar fluir os pensamentos, a não tentar esconder nada e a explorar livremente e completamente suas próprias emoções. O ato de escrever, independente da qualidade da escrita, parece ter o potencial de prover benefícios físicos e mentais, com melhorias em longo prazo no humor, nos níveis de estresse e em sintomas depressivos (SMYTH; PENNEBAKER; ARIGO, 2012).

Quando as pessoas escrevem sobre si mesmas, colocando suas experiências e seus sentimentos em evidência, este ato permite, de uma nova maneira, identificar e “sentir” estes sentimentos. Escrever sobre o que se sente torna-se, assim, um mecanismo de enfrentamento do estresse, e traz benefícios fisiológicos e para a saúde como um todo (NORMAN; LUMLEY; DOOLEY et al., 2004; BURTON; KING, 2008).

O objetivo da escrita expressiva não se prende a habilidades literárias, nem a preocupações com a ortografia, a gramática ou a estrutura léxica. Entretanto, resistências à escrita podem ocorrer por uma crítica feita pela pessoa a sua capacidade de escrever bem, do ponto de vista da estrutura gramatical. Esta resistência pode ser superada quando a pessoa percebe que não está em jogo um julgamento da qualidade da escrita. A técnica é, antes de tudo, uma maneira de tornar oportuna a expressão silenciosa, mas significativa, para o que não tem sido, ou não pode ser, falado em voz alta – uma alternativa a não perecer sufocado. É importante salientar que aqueles que não estão acostumados a se expressar tendem a escrever sobre fatos, em si, e não sobre as emoções ligadas a estes fatos. Estes indivíduos provavelmente não vão se beneficiar significativamente do poder terapêutico da escrita expressiva. Na verdade, ao reescrever os fatos, sem refletir sobre o seu envolvimento pessoal com estes, eles podem reviver os eventos, o que pode causar um aumento da ansiedade, sem que esta seja ressignificada, ou seja, a ansiedade não serve, neste caso, como gatilho para resolução emocional dos problemas, tornando-se apenas um desgaste. (BENETTI E OLIVEIRA, 2016)

Alguns benefícios da escrita expressiva são a clarificação sobre padrões de comportamento, aumento da inteligência emocional, autoconhecimento, flexibilização do pensamento, alívio da tensão emocional, integração de memórias, análise mais ampla dos acontecimentos, organização interna, estimula a criatividade, maior controle emocional, diminui a ruminação mental, alívio do estresse e ansiedade, sensação de bem estar, certa tranquilidade e uma clareza maior sobre a situação, entre outros.

A escrita expressiva não é sobre escrever sobre qualquer coisa. Ela se baseia principalmente em escrever dando enfoque aos sentimentos e emoções. Através dela não registramos apenas acontecimentos, mas também pensamentos. É importante seguir o fluxo mental, sem se preocupar com estrutura gramatical, ortografia ou com mascarar o que sente. Escrever é libertador quando fazemos sem filtro. Se for necessário, rasgue o que escreveu depois de ter terminado.

A escrita terapêutica consiste em colocar em palavras tudo aquilo que tem passado pela sua mente. Sejam eventos do passado, presente ou futuro, situações de alegria ou de tristeza. É como desenrolar uma linha embolada e fazer com ela um novelo organizado. O ato de se conectar com o que vem a mente, sem julgamento de certo ou errado e escrever isso em um papel pode trazer a sensação de liberdade. A medida que o exercício da escrita evolui, é possível atravessar camadas de sentimentos e encontrar emoções mais intensas e que estavam inconscientes até então. O processo terapêutico da escrita envolve se propor a trazer para o consciente, por meio do papel e da caneta, emoções, sentimentos, pensamentos e a compreensão das necessidades que estão conectadas com os acontecimentos da vida. Desse modo, não é descrever fatos, mas tornar clara camadas mais profundas que fazem parte do ser humano.

Separe um caderno só para isso. Personalize, deixe ele a sua cara. Encontre um lugar seguro para guarda-lo. Para escrever, encontre um horário calmo em um ambiente que você se sinta confortável e a vontade. Transforme esse hábito em um ritual de autocuidado. Você pode acender uma vela aromática, beber algo agradável, usar canetas coloridas. Pequenos gestos simbólicos que enriquecem a experiência. Se você não tem o hábito de escrever, pode ser difícil no início. Mas não desista. Vá no seu tempo, escreva pouco e se expresse como puder.

A escrita expressiva não deve acontecer apenas em momentos de desestabilização e estresse, mas se tornar um hábito rotineiro. As pesquisas demonstram que uma boa frequência é de três a cinco dias por semana, de 15 a 30 minutos por vez. Dentro do universo da escrita terapêutica há alguns exercícios específicos como a escrita de desabafo, o diário da gratidão, escrita de organização, a desconstrução (decompor um problema em partes menores), escrita neutra (relatar uma situação ou problema como se fosse uma terceira pessoa vendo de fora), entre outras.

Essa escrita livre, autêntica, profunda, íntima e visceral tranquiliza, conforta e renova. Brinda-nos com uma sensação de alívio. Não é fácil encarar o abismo dentro de nós, mas estranhamente quanto mais nos aventuramos para dentro, mais gostamos e nos interessamos. Há determinado momento na vida em que somos irremediavelmente chamados para caminhar por dentro. Para tocar o mundo complexo e misterioso do nosso ser, que durante tanto tempo deixamos existir no piloto automático e sem qualquer contato.

Às vezes existem coisas que só saem de nós por escrito, talvez seja uma forma mais amena de abraçar verdades duras sobre nós mesmos, assumir certos sentimentos, pensamentos, desejos, angústias. A escrita expressiva é uma forma de encontro com nós mesmos. Muitas vezes ela também é uma válvula de escape que nos reequilibra e amplia a nossa consciência.

Pegue seu caderninho e boa jornada!

Referências

Benetti e Oliveira, 2016; O PODER TERAPÊUTICO DA ESCRITA: QUANDO O SILÊNCIO FALA ALTO

NORMAN, S. A.; LUMLEY, M. A.; DOOLEY, J. A., et al. For whom does it work? Moderators of the effects of written emotional disclosure in a randomized trial among women with chronic pelvic pain. Psychosomatic Medicine, 66, 174–183, 2004.

PENNEBAKER, J.W.; CHUNG, C.K. Expressive writing and its links to mental and physical health. Oxford Handbook of Health Psychology, p. 417-437, 2011.

SMYTH, M. J.; PENNEBAKER, J. W.; ARIGO, D. What are the health effects or disclosure? In: BAUM, A. REVENSON, T. A.; J. C; SINGER, J. (eds.). Clinical health psychology. New York: Taylor & Francis, 2012, p. 131-149.

Terapeuta e Escritora

Um comentário

  • Gabriela Miranda

    Gostei muito do seu artigo, Rayhanne. Escrevo um diário desde os meus treze anos (hoje tenho vinte e dois) e percebo como esse hábito me fez muito bem. Poder reler os diários antigos é uma das coisas que mais gosto de fazer, porque vejo como fui amadurecendo e, ao mesmo tempo, permanecendo sempre a mesma ao longo dos anos.

    Eu não sabia de todos esses benefícios que as pesquisas já descobriram e fiquei interessada em conhecer melhor essas modalidades de escrita que você menciona no 11º parágrafo do texto. Acho que seria legal se você também escrevesse um artigo sobre elas!

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