Espiritualidade

Como fazer denúncias de abusos sofridos na Igreja?

Tempo de leitura: 6 minutos

O motu próprio do Papa Francisco, “Vos estis lux mundi”, estabeleceu novos procedimentos para denunciar moléstias e violências sexuais. Foi introduzida a obrigatoriedade a clérigos e religiosos de denunciar os abusos e proposto que cada diocese deveria dotar-se de um sistema facilmente acessível ao público para receber as denúncias.

Após quase quatro anos de experimentação, foi publicada neste ano uma versão atualizada das normas para prevenir e combater os abusos sexuais contra menores e adultos vulneráveis. A mudança mais significativa desde 2019 é a extensão das normas relativas à responsabilidade dos bispos e superiores religiosos também aos moderadores leigos de associações internacionais de fiéis reconhecidas pela Santa Sé.

A nova versão do Lux mundi especifica que dioceses e eparquias devem criar “órgãos e escritórios” – o texto anterior se referia mais genericamente a “sistemas estáveis” – facilmente acessíveis ao público para receber denúncias de abusos. E também é especificado que a tarefa de proceder com a investigação é do bispo do lugar onde teriam ocorrido os fatos denunciados.

As Comissões de Tutela Arquidiocesanas tem por objetivo a aplicação dos protocolos e medidas de prevenção contra abusos sexuais de menores e pessoas em situação de vulnerabilidade, e de abuso de autoridade para a prática de delitos contra o 6º Mandamento do Decálogo. 

Para dar resposta às inúmeras perguntas sobre os passos que se devem seguir nas causas penais da sua competência, a Congregação para a Doutrina da Fé preparou um Vademecum destinado primariamente aos Ordinários e operadores do direito que necessitem de traduzir em ações concretas a normativa canónica relativa aos casos de abuso sexual de menores cometidos por clérigos. Trata-se duma espécie de «manual» que pretende tomar pela mão e conduzir passo a passo, desde a notitia criminis até à conclusão definitiva da causa, quem se achar na necessidade de proceder à averiguação da verdade no contexto dos mencionados delitos. Não é um texto normativo, não inova a legislação sobre o assunto, mas visa tornar mais claro um percurso.

Embora as normativas e comissões estejam focadas de forma primordial no combate contra qualquer abuso sexual contra menores ou pessoas vulneráveis, sabe-se que outros tipos de condutas abusivas são igualmente condenáveis e perniciosas. Tratam-se dos abusos de poder e de consciência que, por diversas vezes, foram citados pelo Papa Francisco como na carta ao povo de Deus de Agosto de 2018.

O abuso sexual é a ponta do iceberg de um problema mais profundo que são as relações abusivas em contexto eclesial. Uma forma de relacionar-se que envolve abusos de poder, de autoridade, de consciência, financeiros e espirituais. Essas relações podem dar-se em diferentes contextos e dinâmicas. Podem estar nas paróquias, nas ordens ou congregações, nos institutos ou associações de fiéis leigos, em grupos, pastorais, em âmbito carismático ou tradicional, entre religiosos e leigos, religiosos e religiosas, sacerdotes e acompanhantes espirituais, formadores e formandos, bispos e seminaristas, bispos e clérigos, fundadores (as) e membros, homens e mulheres, seminaristas e companheiros, noviças e companheiras, superiores e demais membros, maiores de idade e menores, leigos e leigas, enfim, são inúmeras as possibilidades e tipos de relações onde os diferentes abusos podem acontecer. 

Dessa forma, é de interesse de toda a Igreja trabalhar de forma ativa e responsável na transformação de uma cultura abusiva em uma cultura de cuidado que leve em conta a dignidade do indivíduo, o diálogo e o respeito. Para isso é preciso investir em prevenção e formação. 

Se você passou por uma situação de abuso sexual, de poder, de consciência, financeiro ou espiritual, em primeiro lugar eu sinto muito. Ninguém deveria passar por isso, muito menos dentro da Igreja. Se você quiser, seria bom procurar canais de denúncia para contar a sua história. A Igreja precisa ouvir as vítimas para poder remediar o mal cometido, prestar-lhes apoio e também atuar de forma incisiva para solucionar este flagelo. Sem as denúncias a Igreja não tem como saber o que está acontecendo. Entendo que é difícil e que nem sempre encontra-se espaço favorável e acolhedor por parte de membros da Igreja que ainda perpetuam formas antigas e já ultrapassadas de agir. Contudo, há muitas pessoas dispostas a agir.

Como fazer as denúncias? Quando nos referimos a situações abusivas que acontecem em contexto paroquial, o caminho inicia-se através da conversa com os responsáveis diretos (coordenadores), o pároco e/ou o Bispo Local. Referente a seminários diocesanos, o caminho são as autoridades e o Bispo Local, podendo ser necessário aconselhar-se com sacerdotes não relacionados ao seminário ou Bispos de outras localidades/outras autoridades quando a realidade local, infelizmente, envolve uma política de acobertamento.

Se é algum problema que envolve a RCC ou algum outro grupo qualquer – religioso ou leigo – que está na diocese, deve-se contatar o Bispo Local e/ou o Tribunal Eclesiástico. Também pode-se levar problemas relativos a RCC ou aos outros grupos para as comissões estaduais ou nacional, além de contatar o pároco e outras autoridades responsáveis locais. 

A nível de institutos de vida consagrada ou sociedade apostólica, o primeiro caminho são os canais de escuta da própria comunidade e autoridades competentes. É aconselhável e recomendável que os institutos tenham seus próprios canais de escuta e que ajam de acordo com os princípios de transparência e responsabilidade. Depois, caso nada seja feito, o próximo passo é procurar as comissões de escuta/tutela diocesanas e o Bispo Local. 

Em qualquer um dos cenários, seja paroquial ou de institutos religiosos/leigos, caso o Bispo Local não leve a denúncia à frente ou não se mostre pessoalmente interessado em acolher e investigar, outros caminhos podem ser trilhados. 

Um deles é procurar algum Cardeal brasileiro, o Núncio Apostólico ou o Lux Mundi da CNBB. Além disso, o Dicastério para a Vida Consagrada ou para a Doutrina para a Fé. Em última instância, o próprio Papa Francisco (lembrando que não é ele quem lê pessoalmente as cartas).

Nunciatura Apostólica no Brasil:

2ª a 6ª feira – 8h30 as 13h00 e 14h00 às 16h30

Atendimento do Escritório da Adminstração –  2ª a 6ª feira – 09h00 as 12h30

  • SES 801 Lote 01 – Brasília / DF – CEP 70.401-900
  • +55 (61) 3223-0794

Lux mundi:

  • Condomínio do Edifício Venâncio II – SDS, Asa Sul, 5º andar – SALA 507
  • CEP: 70393-900 – Brasília – DF – Brasil
  • Telefone: (061) 3226 5540 ou (61) 98473-0242
  • Fax: (061) 3225 3409
  • E-mail: nucleoluxmundi@crbnacional.org.br ou nucleoluxmundi2@crbnacional.org.br

Dicastério para a Vida Consagrada:

Os Ofícios estão no Palácio das Congregações: 00193 Roma, Piazza Pio XII, 3

Estes são os números telefônicos:
Sua Eminência o Cardeal Prefeito: +39. 06. 69884121
Sua Excelência Monsenhor Arcebispo Segretário: +39. 06. 69884584
Informações: +39. 06. 69884128 +39. 06. 69892511
FAX: +39. 06. 69884526

E-mail: civcsva.pref@ccscrlife.va (Prefeito)
civcsva.segr@ccscrlife.va (Segretário)
vati059@ccscrlife.va (Informações)

Dicastério para a Doutrina da Fé:

Endereço postal

Congregação para a Doutrina da Fé
Palazzo del Sant’Uffizio
00120 Città del Vaticano

Papa Francisco

Sua Santidade Francisco
00120 Città del Vaticano

Em qualquer instância, a depender do tipo de abuso, o Ministério público pode ser contatado para levar a frente um processo jurídico. 

Ao fazer denúncias, as vítimas ou testemunhas podem solicitar o anonimato. As assinalações podem ser feitas pessoalmente agendando horários, através de e-mails, cartas registradas ou telefonemas. Quanto mais detalhes, melhor. Isso diz respeito a nomes, locais, datas e outros pormenores envolvendo o ocorrido. É interessante notificar aos que estão recebendo as denúncias que outras autoridades também estão sendo ou serão notificadas, para evitar possíveis entraves no processo de investigação.

Quando fazer denúncias?

Relativas aos abusos sexuais: Qualquer situação que envolva uma situação sexual (inclusive assédio) envolvendo um membro da Igreja, religioso (a), clérigo ou leigo (a), com relação à menores de idade ou maiores, independente do sexo, e se são vulneráveis ou não, em situações que envolvam relações eclesiais.

Relativas aos abusos financeiros: Quando há suspeita de desvio ou lavagem de dinheiro, exploração de vulneráveis, exigência de dinheiro em troca de bens espirituais, exigência de doação de salário ou alta porcentagem para manutenção de obras/instituições, má gestão dos recursos financeiros (paroquia, diocese, instituto, etc), entre outros.

Relativas aos abusos de poder: Quando há abuso das funções de cargo ou governo para benefício próprio ou quando há negligência dos deveres da função ou cargo. Também envolvem práticas como negligência de saúde do indivíduo, de documentação legal, de alguns direitos civis, etc.

Relativas aos abusos de autoridade e consciência: Em situações em que a autoridade manipula o indivíduo e invade a sua consciência em vez de formá-la e ajudá-la a discernir. Também há a privação da liberdade. Isso envolve uma miríade de atos sutis também relacionados às violências psicológicas e morais.

Relativas às violências: Físicas, morais ou psicológicas; Envolvem situações de racismo, discriminações e humilhações, difamações, manipulação e coerção psicológica, assédio moral, entre outros.

Relativas aos abusos espirituais: Quando há situações de heresias, de mau uso da doutrina para coagir e manipular, de abusos litúrgicos, algumas situações de uso da fé para ganhar dinheiro, uso da boa vontade dos fiéis através da fé para interesse pessoal, uso de argumentos espirituais para levar os indivíduos/membros a fazerem algo contra a sua vontade, incitar ódio ou revolta contra o Pontífice e a Igreja, entre outros.

Se você passou por alguma situação que te fez mal, se você sabe de alguma coisa que aconteceu com alguém, se você desconfia de algo, procure alguém para conversar e te ajudar a discernir. Nem sempre os acontecidos configuram delitos, contudo práticas pontuais também devem e podem ser corrigidas.

  1. https://www.vatican.va/content/francesco/pt/motu_proprio/documents/papa-francesco-motu-proprio-20190507_vos-estis-lux-mundi.html
  2. https://www.vaticannews.va/pt/papa/news/2023-03/papa-confirma-vos-estis-lux-mundi-procedimento-abusos.html
  3. https://www.vaticannews.va/pt/igreja/news/2020-12/cnbb-crb-nucleo-lux-mundi-protecao-menores.html
  4. https://press.vatican.va/content/salastampa/it/bollettino/pubblico/2020/07/16/0386/00874.html#port
  5. https://www.vatican.va/content/francesco/pt/letters/2018/documents/papa-francesco_20180820_lettera-popolo-didio.html

Terapeuta e Escritora

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *