As decepções
Ninguém gosta de se decepcionar, mas é inevitável passar por essa experiência. Afinal, as decepções fazem parte da vida e é preciso aprender a lidar com elas. Embora sejam dolorosas, elas também podem ser positivas ao nos trazerem aprendizado e resiliência.
Decepção é a quebra da ilusão. É quando uma verdade que ainda não tínhamos contemplado se escancara. Nela morrem as expectativas. E o que estava na sombra vem para a luz. Dói, porque desmorona e desconstrói algo. Porque chega de repente, sem avisar. Porque suscita sentimentos negativos e nos assombra com o que ignorávamos. É visceral. Diante dela não há maquiagem. É nua, crua. Ruptura, rasga o véu. É a realidade que se revela como é, permitindo que saiamos do engano.
Inevitavelmente, vez ou outra estaremos em algum dos lados da moeda: nos decepcionaremos ou causaremos decepções. Arrisco afirmar que elas, a muito contragosto, são necessárias para purificar nossos relacionamentos e ajustar nossa perspectiva. As decepções amadurecem as relações. Permitem com que a visão que temos do outro ou que o outro tem de nós seja atualizada. Trazem clareza e nos retiram da idealização. Abrem as portas para um conhecimento mais profundo. Reivindicam a reconciliação. Nos ensinam lições preciosas que de outro modo dificilmente teríamos aprendido. Afinal, o sofrimento é uma escola particular. Nem sempre é confortador ouvir que a dor pode nos fazer crescer, mas pode ajudar a olhar um pouco mais para longe, talvez num futuro, nem tão distante, em que a decepção não seja mais tão significativa.
É preciso aprender a diferenciar as decepções, para não reagirmos de forma desproporcional nem nos condicionarmos a uma constante posição de vítima. Em algumas vezes o sofrimento nos visita pela forma como interpretamos a situação, exagerando fatos, autocentrando experiências sem a devida autocrítica e sem conhecer o lado do outro. Quando nos decepcionamos podemos acabar assumindo posições de fuga ou defesa para não confrontar e dialogar, o que acaba aumentando a mágoa e o ressentimento e mantendo o relacionamento em uma esfera superficial.
Há decepções e decepções. Algumas são intencionais e outras acidentais. Temos aquelas que nos revolucionam e exigem movimentações bruscas e recomeços dolorosos, como o fim de um relacionamento, de um sonho ou de um emprego. Temos aquelas que nos paralisam, como situações trágicas e críticas como golpes, traições, e violências. Temos as que nos impulsionam, como as que nos libertam de uma situação em que estávamos na zona de conforto ou quando fracassamos em algo e, justamente por isso, nos motivamos mais. Algumas estão enraizadas nas projeções que fazemos, nas expectativas que criamos, em certas idealizações e contornos imaginários. Outras são meros descompassos.
Somos tentados, nos momentos decepcionantes, a nos acovardarmos diante da vida. Entramos em uma espiral de sentimentos de injustiça, desânimo, negatividade. Se soubermos ler algumas situações, perceberemos que há nelas uma força positiva por baixo dos escombros. São aqueles momentos em que após o fracasso, a derrota, a decepção, o término, somos capazes de reavaliar e encontramos motivação para perseverar, para reajustar ou renovar completamente a rota, para nos esforçarmos mais ou simplesmente trocarmos nossas estratégias.
Quando a decepção nos visita, é importante validar os sentimentos em vez de fingir que nada aconteceu, que não estamos sofrendo, ou tentar fugir ou se isolar. Procurar externar através da fala ou da escrita é uma estratégia excelente para liberar a tensão emocional bem como para ajudar a organizar o pensamento e processar o que aconteceu. Em momentos difíceis assim, buscar apoio em pessoas de confiança e que nos amam é fundamental. E apoio significa companhia, não alguém para validar nosso sofrimento sem nos questionar ou para passar a mão na nossa cabeça ainda que tenhamos parcela de culpa.
É bom esperar passar um tempo para digerir as emoções indigestas e compreender melhor o que passou em vez de reagir de forma inconsequente e impensada. Buscar compreender o lado do outro, ter autocrítica. Dar as segundas-chances necessárias. Em vez de ficar obsessivamente procurando culpados ou porquês, vale mais contemplar a decepção de forma mais ampla. Aprender com ela, tirar lições, tomar providências, concentrar a energia em coisas boas da vida.
E quando somos nós que decepcionamos o outro? Geralmente somos visitados por sentimentos de vergonha e tristeza. Nesses momentos precisamos de calma, de respeitar o tempo do outro, dialogar, ter a humildade de reconhecer o erro e pedir perdão. Ter a consciência de que errar faz parte do percurso. Por isso, a decepção mais difícil costuma ser quando decepcionamos a nós mesmos. Quando isso acontece, precisamos reavaliar as crenças que nutrimos sobre nosso valor pessoal, as expectativas que criamos sobre nós, a cobrança excessiva, o perfeccionismo. Somado a isso precisamos assumir atitudes de autocompaixão com o nosso ser, não para jogar panos quentes em nossos erros e, sim, para compreendê-los como parte existencial da nossa humanidade e também como oportunidade de melhoria.
Bom, as decepções são inevitáveis, porém viver na defensiva, na desconfiança ou sem expectativas seria trágico. O que devemos fazer é aprender a administrar as nossas expectativas para que elas não se distanciem da realidade e acabem se transformando em idealizaçoes. Quando passamos por essas experiências e exercitamos o hábito de procurar entender o que aconteceu, ganhamos repertório de vida. Deste modo, reduziremos a possibilidade de decepção.
Por motivos grandes ou pequenos colecionamos decepções. Elas são imprevisíveis e geralmente vêm de onde não esperamos, justamente porque a vulnerabilidade natural nos coloca em posição de abertura e confiança. E também porque o mistério da vida é impossível de desvendar. Vez ou outra nos golpeia. Cabe a nós a arte de encarar.
Terapeuta e Escritora