Espiritualidade,  Psicologia

Terapeuta, psicólogo, psiquiatra ou acompanhador espiritual: a quem procurar?

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Todos atuam no mesmo campo: o auxílio à pessoa humana. No entanto, muitas vezes não se sabe onde começa uma coisa e onde termina outra. Grande parte das pessoas fica em dúvida sobre a quem recorrer. Também encontramos uma confusão significativa a respeito do limiar de ação. Dessa forma, não é incomum encontrar terapeutas agindo como acompanhadores espirituais ou acompanhadores atuando como se fossem psicólogos, por exemplo.

A psicoterapia e o aconselhamento espiritual têm algumas características comuns: ambos são relações nascidas de um pedido de ajuda e seu escopo se refere ao crescimento gradual da pessoa. (…) Para a intervenção psicológica, a vivência religiosa é um dos aspectos da personalidade, que deve ser harmonizado com os outros aspectos. (…) Para a direção espiritual, o fim específico, e muitas vezes único, é o amadurecimento da fé do sujeito.  [1]

Psicoterapia e acompanhamento espiritual abordam o ser humano, o que difere é a dimensão e a finalidade. Um irá se atentar à dimensão psicológica e o outro à dimensão espiritual. A psicoterapia busca a cura psíquica, a saúde mental e aponta o caminho para a estabilidade psíquica. O aconselhamento espiritual, por outro lado, tenta ajudar quem quer um projeto vital que inclui o trato com Deus e a saúde espiritual, e para isso, orienta o caminho e os meios para alcançar a plenitude da vida cristã tendo Jesus como modelo. A ajuda psicológica não propõe explicitamente um modelo. [2] Sendo assim, a finalidade da psicoterapia é auxiliar o indivíduo a alcançar a saúde psicofísica enquanto o acompanhamento espiritual trabalha em prol da saúde espiritual.

Ambas são relações de ajuda, em que há por parte do terapeuta ou acompanhador uma escuta empática, atenta e profunda que através do olhar apurado e das suas habilidades, experiência e conhecimento, fornece ao indivíduo ferramentas e companhia para o discernimento e autoconhecimento. Tanto a psicoterapia quanto o acompanhamento espiritual devem propiciar ao indivíduo crescimento e amadurecimento, sem invadir a sua consciência e sem tomar decisões por ele, mas sim através de questionamentos sobre si mesmo, ferramentas terapêuticas e o desenvolvimento de sua própria autonomia.

Os psicólogos são os profissionais que estão habilitados, per si, a oferecerem psicoterapia. Contudo, nem todo psicólogo é terapeuta e nem todo terapeuta é psicólogo. O psicólogo é um profissional com graduação em Psicologia, embora possa ser chamado de terapeuta se a sua área de atuação for a psicoterapia. Um psicólogo pode também atuar em área hospitalar, escolar, empresarial, organizacional e outras, e em nenhuma dessas áreas são considerados terapeutas.

Um terapeuta não é necessariamente psicólogo ou trabalha com psicoterapia. Existem terapeutas que são psicoterapeutas, mas outros são terapeutas ocupacionais, musicoterapeutas, arteterapeutas, reikianos, holísticos, entre outros. O termo “psicoterapeuta” ou “terapeuta” não significa necessariamente que o profissional é um psicólogo. O processo de psicoterapia não é atividade privativa dos psicólogos, por isso podemos encontrar terapeutas, médicos e até mesmo sacerdotes realizando este trabalho. Para isso, precisam se especializar nesta função através de cursos específicos de abordagens terapêuticas, de prática clínica, de neurociência, afetividade, psicopatologias, comportamento e desenvolvimento humano etc. Contudo, cada trabalho tem seu limite de atuação. Um sacerdote que oferece psicoterapia não deve transformar este trabalho em um aconselhamento espiritual, mas sim trabalhar a dimensão cognitiva, afetiva e mental do indivíduo, seus comportamentos humanos e relacionais, por exemplo.

Com relação à formação, o psiquiatra possui graduação em medicina com especialização em psiquiatria. O psicólogo é graduado em psicologia. O terapeuta pode ser graduado e especializado em diferentes áreas. Terapeuta é um indivíduo que possui alguma formação em uma ou mais áreas de assistência à saúde humana, seja física ou psicológica. Profissionais com formação em técnicas terapêuticas também podem se enquadrar neste termo. Não necessariamente ligadas à psicoterapia, vamos encontrar terapeutas ligados a terapias alternativas, como Acupuntura ou Arteterapia, por exemplo. Os acompanhadores espirituais podem se formar e se especializar em diferentes áreas, tanto através da área acadêmica quanto de cursos pastorais e eclesiais.

A respeito da atuação, os psiquiatras podem oferecer psicoterapia, mas comumente trabalham com a parte de anamnese biopsicossocial dos indivíduos, identificando e tratando os problemas psicopatológicos, o que envolve a medicação e diagnóstico. Diferente do psiquiatra, um psicólogo, um terapeuta e um acompanhador espiritual não podem receitar medicamentos nem retirar medicações já prescritas. Os psicólogos e psiquiatras estão, por formação básica, mais aptos a trabalharem com doenças mentais, transtornos de personalidade, ansiedade patológica, depressão, compulsões e dependências, transtornos (alimentares, autismo, etc), manejo de ideação suicida, entre outros. E apenas psicólogos podem aplicar testes psicológicos.

Os terapeutas que oferecem psicoterapia trabalham, assim como psicólogos, com ciências cognitivas, crises existenciais, manejo de sofrimento, problemas relacionais, inteligência emocional, entre outros. Estão aptos a colaborarem com a melhoria da saúde mental e psicológica do indivíduo de forma efetiva. Costumam ser procurados para áreas de desenvolvimento pessoal. Não é comum e nem recomendado terapeutas trabalhando com atendimentos relacionados a problemas psicopatológicos, a não ser que tenham se especializado a fundo no problema em questão através da área acadêmica e cursos certificados e notórios.  De todo modo, parece aconselhável que o terapeuta que queira atuar na área psicopatológica realize uma graduação de Psicologia.

Os acompanhadores espirituais oferecem aconselhamento para os indivíduos com relação a sua fé e vida espiritual. Em contexto católico, trazem como modelo e ideal a doutrina presente no catecismo, nos documentos do magistério e na sagrada escritura. Veem o indivíduo de forma integral, mas concentram-se na dimensão espiritual.

Laudos e diagnósticos são conferidos por psicólogos e psiquiatras, bem como atestados e licenças. Psicólogos podem trabalhar em empresas, escolas, consultórios, hospitais, faculdades, etc. Enquanto psiquiatras, em geral, trabalham em hospitais e consultórios. Terapeutas e acompanhadores espirituais trabalham de forma independente e o trabalho de acompanhamento espiritual não é remunerado. Psicólogos e psiquiatras são regidos por Conselhos, enquanto terapeutas e acompanhadores espirituais não estão relacionados a uma regulamentação específica.

Tanto acompanhadores espirituais quanto psicólogos, terapeutas e psiquiatras devem estar aptos a reconhecer as demandas que não fazem parte da sua alçada e fazer encaminhamentos para os demais profissionais. Lembrando que a Igreja não é nem uma instituição psiquiátrica nem um centro de higiene mental. O presbitério não é uma agenda de consultas para desequilibrados. (…) Para poder ocupar-se dos “casos mentais” requerem-se conhecimentos de psicodinâmica e psicoterapêuticos mais profundos. (…) Ao sacerdote compete em exclusivo tudo o que é espiritual. No entanto, a sua qualidade de sacerdote não faz dele um perito de perturbações mentais.[3] Assim como o setting terapêutico não é o confessionário nem o lugar da direção espiritual. Muitas vezes as demandas não demarcam um território específico de ajuda, fluindo nas distintas relações. Embora um mesmo problema possa ser abordado nos diferentes lugares de ajuda, a forma de trabalhar a demanda deve variar de acordo com a relação que se estabelece. Um problema relacionado à sexualidade, por exemplo, será trabalhado na psicoterapia de acordo com as questões cognitivas, afetivas, comportamentais, com técnicas e, às vezes, com a possibilidade de diagnóstico. Na psiquiatria, avaliando a saúde fisiológica e administrando medicação. E no acompanhamento espiritual, através dos remédios espirituais para os pecados, práticas para o crescimento das virtudes, orações, dificuldades do indivíduo etc. É de grande enriquecimento e valor o trabalho conjunto dos distintos profissionais, pois assim uma demanda pode ser trabalhada de forma mais ampla e efetiva.

Por exemplo, uma pessoa com vício em pornografia em uma consulta com psiquiatra poderá receber medicação para controle dos impulsos e redução da ansiedade. Na psicoterapia, encontrará técnicas cognitivas e comportamentais para mudança de hábitos disfuncionais, além de compreender os motivos e as situações que o levam a buscar este comportamento e os prejuízos deste hábito. No aconselhamento espiritual será instruído sobre a moralidade desta prática, o caminho de apoio na graça para superação do vício, práticas ascéticas e de penitência, como crescer na virtude da pureza, conselhos oportunos, além de averiguar de acordo com sabedoria cristã as possíveis raízes e situações a se evitar, tendo como fundamento a doutrina e como modelo, Cristo.

Não compete a um terapeuta, um psicólogo ou psiquiatra um julgamento moral (seja ele positivo ou negativo) a respeito do uso de pornografia, nem o trabalho de virtudes ou apresentação de um modelo doutrinário. Nesse sentido, se o terapeuta é ele mesmo religioso, o mais importante é que ele tenha uma filosofia de vida e uma visão antropológica correta a respeito do homem, assim conseguirá conduzir seu paciente a refletir sobre suas ações sem fazer proselitismo religioso. Nada impede que o terapeuta encaminhe ou sugira ao paciente que procure um acompanhador espiritual para complementar o seu tratamento, a depender de como o indivíduo em questão vivencia a religião e a espiritualidade. Da mesma forma, ao acompanhador espiritual, seja ele formador (a) em comunidade ou sacerdote, não compete o tratamento psicoterápico do indivíduo. Ele não irá receitar medicações nem ensinar técnicas de Terapia Cognitivo Comportamental, por exemplo. Embora ele possa, por si mesmo, associar algumas práticas ao seu conhecimento pessoal, não é especialista em psicoterapia e cuida da dimensão espiritual do problema do vício em pornografia. Ciente de que nem todos os problemas são de ordem espiritual e nem se curam exclusivamente com oração, fará o devido encaminhamento para um profissional da área.

Infelizmente, tanto o setting terapêutico quanto os consultórios ou atendimentos espirituais não estão isentos de situações de abuso. Membros dessas profissões de ajuda podem também causar enormes danos, devido a seu próprio desejo de ajudar. [4] “O abuso pertence sempre a um processo de corrupção e transformação da autoridade legítima em uma dinâmica perversa de poder, supremacia, dominação, de posse em relação a uma ou mais pessoas que se encontram em uma situação de vulnerabilidade existencial e de dependência” [5].

Os aspectos que caracterizam esse sistema são a manipulação das consciências, que é obtida por meio da violação da intimidade da pessoa e do estabelecimento de relações de sujeição total, e a reorganização da vida individual e comunitária para que tudo, absolutamente tudo, seja reconduzido e confiado a quem se reveste de autoridade. Esse sistema, evidentemente, tem efeitos devastadores sobre a liberdade da pessoa.

Esse aparato de manipulação, tão sutil quanto eficaz, leva a pessoa a confiar unicamente em uma pessoa [6], a se entregar completamente em uma relação que gradualmente se torna, por meio de calculados abusos de poder e de consciência, uma jaula da qual é impossível sair: as vítimas são tão condicionadas a ponto de se tornarem incapazes de reagir e de tomar qualquer decisão autonomamente.

Abusos de poder, de autoridade e de consciência são os que encontramos mais facilmente em relações de ajuda, especialmente por serem sutis e por as relações abarcarem a vulnerabilidade natural do ser humano. De um ponto de vista antropológico, a vulnerabilidade radical faz parte da condição humana. Não é uma carência de um determinado grupo, mas uma característica comum dos seres humanos. Deriva do termo latino vulnus (ferida). A vulnerabilidade é uma possibilidade, não um fato [7]; indica a possibilidade de ser ferido. Portanto, a vulnerabilidade radical indica a capacidade de se expor aos outros, enquanto estar exposto aos outros implica a possibilidade de ser ferido. A vulnerabilidade “expõe os seres humanos a serem abençoados e feridos, ao bem e ao mal” [8].

A abertura aos outros sempre envolve um risco. Por esse motivo, a vulnerabilidade como tal não é uma carência. Ser receptivo e, portanto, vulnerável é uma condição necessária para uma autêntica vida humana. Assim entendida, a vulnerabilidade radical possibilita o autêntico desenvolvimento da vida humana no encontro com os outros. No contexto da psicoterapia e do acompanhamento espiritual, a vulnerabilidade é uma condição para a relação.

No contexto da psicoterapia, o terapeuta pode se valer de sua posição para cometer atos abusivos. É o que se chama de abuso de poder e de autoridade. Isso acontece quando uma pessoa com acesso a um cargo ou a uma função se aproveita das funções que lhe competem e que lhe foram confiadas para satisfazer os seus interesses pessoais em vez de cumprir com as suas verdadeiras obrigações. Ele utiliza sua posição para influenciar indevidamente, controlar ou dominar a outra pessoa. Este tipo de abuso pode estar relacionado ou não ao abuso de consciência, que é a invasão ou limitação da liberdade humana. O abuso de consciência em contexto religioso implica o nome e a vontade de Deus, portanto fere a pessoa em um nível particularmente profundo. [9]

Aquele ou aquela que acompanha – acompanhador ou acompanhadora – não se substitui ao Senhor, não faz o trabalho no lugar da pessoa acompanhada, mas caminha ao seu lado, encoraja-a a ler o que se move no seu coração, o lugar por excelência onde o Senhor fala. O acompanhador espiritual, que chamamos diretor espiritual – não gosto deste termo, prefiro acompanhador espiritual, é melhor – é aquele que te diz: “Pois bem, olha para este lado, para aquele lado”, a tua atenção é atraída para aspetos que talvez passam; ajuda-te a compreender melhor os sinais dos tempos, a voz do Senhor, a voz do tentador, a voz das dificuldades que não consegues superar. Por isso é muito importante não caminhar sozinho. Há um ditado da sabedoria africana – pois eles possuem aquela mística da tribo – que diz: “Se queres chegar depressa, vai sozinho; se queres chegar seguro, vai com os outros”, acompanhado, vai com o teu povo. É importante. Na vida espiritual é melhor fazer-se acompanhar por alguém que conheça as nossas coisas e nos ajude. E este é o acompanhamento espiritual. [10]

Deve-se sempre ter em conta o respeito pela liberdade individual. Nenhum fim, por mais louvável que seja, pode justificar a predisposição de instrumentos e práticas que possam de alguma forma ferir a dignidade pessoal ou o direito à autodeterminação. Onde não se promove a responsabilidade pessoal, não se contribui para a salvação das almas, pois o ser humano – ensina a Igreja – só pode se voltar para o bem na liberdade. [11]

Tanto em contexto eclesial quanto psicoterápico, as vítimas de abuso podem abrir processos de denúncia. Elas são necessárias para sanar este problema. Por isso, se você passou por alguma situação abusiva, procure as autoridades competentes para contar a sua história e exigir a reparação. Você pode fazer isso no CRP, CRM e aos Bispos diocesanos. Com relação à terapeutas, não há um órgão de regulamentação, mas eles também podem responder a processos civis.

Em textos futuros, abordarei de forma mais específica a relação entre psicoterapia e religião, bem como os tipos de abusos.

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Referências

  1. Atendimento psicológico e direção espiritual: semelhanças, diferenças, integrações e… confusões
  2. Maturidade psicológica e espiritual, Wenceslao Viao
  3. Catolicismo e Psiquiatria, J.H. Vandervelt e R.P. Odenwald
  4. Abuso de poder e psicoterapia, Guggenbühl-Craig
  5. A. Cencini, A. Deodato, G. Ugolini, “Abusi nella Chiesa, un problema di tutti. Oltre una lettura difensiva o riduttiva” in: La rivista del clero italiano, 2019, 4, pp. 254-255.
  6. H. Zollner, A. Deodato, A. Manenti, G. Ugolini, G. Bernardini, Abusi sessuali nella Chiesa? Meglio prevenire, Milão, 2017, p. 42.
  7. Cf. Montero, Orphanopoulos Carolina. “Vulnerabilidad. Hacia una Ética Más Humana”. Madri: Dykinson, 2022.
  8. Langberg, Diane. 2020. “Redeeming Power: Understanding Authority and Abuse in the Church”. Grand Rapids: Brazos Press, 2020, p. 19.
  9. Hacia uma definicion de abuso de consciência em el âmbito católico, Samuel Fernandez
  10. Catequeses sobre o discernimento 14. O acompanhamento espiritual, Papa Francisco, 2023 
  11. O sistema abusivo na Igreja: consciência, poder e sexo. Artigo de Domenico Marrone – Instituto Humanitas Unisinos – IHU

Terapeuta e Escritora

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